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Querida Joanne,
Sei que não sou a primeira a lhe escrever uma carta de agradecimento. Você já recebeu milhares delas, provavelmente muitas de crianças ou “novos adultos” como eu que cresceram com os livros da saga Harry Potter no berço da cabeceira.
Ainda assim, me permito colocar algumas palavras aqui em uma semi-melancólica quarta-feira de quarentena.
Talvez porque o isolamento social nos imponha uma reflexão sobre quem fomos, somos e almejamos ser. E sempre que mergulho em meus devaneios acerca disso, esbarro em você como uma espécie de modelo. Vou tentar explicar melhor.
Primeiro, porque inquestionavelmente você me deu um mundo de magia extremamente acolhedor na infância e adolescência. Devorei os livros do Harry todos duas vezes, com direito às lágrimas de alegria e tristeza que a trajetória dele evoca.
Me senti amiga dos personagens, fantasiei com capas de invisibilidade quando queria me esconder do mundo, aprendi sobre amizade e empatia pelo sofrimento por meio de suas palavras. Fiz parte do universo que você criou.
Quanto mais reflito sobre, agora com mais maturidade, vejo a dimensão da profundidade dos livros que você escreveu. Há tanto sobre a filosofia de Yoga ali por meio de pequenos detalhes…
Penso que você versa sobre essa capacidade que temos de “desenvolver poderes mágicos” e mergulhar em diferentes esferas de tempo e espaço quando aprendemos a lidar com situações adversas e a nossa própria mente. Todo potencial de magia e destruição que temos está nela.
Não sei se era sua intenção ou não. Mas capto inúmeras similaridades com os ensinamentos milenares do oriente e o universo de Hogwarts. Talvez porque uma parte de mim ainda vive lá – e não neste mundo ordinário comum. Ou talvez porque me recuso a deixar que a vida adulta mate parte da criança que ainda existe aqui dentro.
Em segundo lugar, preciso dizer que me inspiro em você enquanto escritora. Tenho perseguido o sonho de lançar meu primeiro livro e a cada dia fica mais nítido que ele não é tão simples – principalmente para uma mulher. Imagino, então, como foi para você. Mãe solteira.
Inclusive, nesta quarentena descobri que você adotou o pseudônimo de J.K. Rowling justamente para ter mais chances de um retorno positivo por parte de uma editora, já que ele deixa em aberto a questão do gênero.
Ouvi falar até de uns ensaios que dizem que o mesmo manuscrito de um livro enviado para 50 editoras americanas teve 17 retornos positivos quando assinado por um nome masculino e apenas 2 quando o nome era de uma autora mulher. De chorar.
E eu aqui, sonhando em viver apenas da minha escrita. Parece às vezes tão irreal e utópico. Sei bem que algumas pessoas devem me achar louca.
Mas não paro de sonhar, não. Aprendi que ninguém vai bancar meu sonho, assim como você. Sei bem que sua trajetória não foi fácil e alguns dementadores surgiram no caminho. Eles também aparecem para mim, mas hoje sei como administrá-los melhor.
O medo não me paralisa. Até porque – e aqui vem o terceiro ponto – nem tudo na vida é sobre ganhar dinheiro. Escrevo porque necessito colocar palavras no papel para existir neste mundo e levo uma vida mais simples para poder realizar o que amo.
Não quero ser milionária. Só quero ser capaz de levar uma vida digna o suficiente para realizar algumas viagens, ter tempo de colher alecrim, tocar ukulele, rir com meus amigos e poder me sentar tranquilamente e escrever algumas palavras.
Você entende bem, caso contrário imagino que não teria deixado de ser bilionária por conta das doações de mais de 665 milhões de reais que fez a instituições de caridade. Também estou me transformando na pessoa que realmente acredita que o mundo não precisa de bilionários.
Precisa de mais humanidade. Ah, disso precisa mesmo.
Portanto, múltiplos são os caminhos por meio dos quais você tem me inspirado. Mesmo alguns anos atrás, lembro-me bem da emoção que senti ao entrar na Livraria Lello, em Porto (Portugal), na qual você esteve e diz a lenda que se inspirou para descrever as escadarias do Dumbledore.
Sou apaixonada por olhos que percorrem tais detalhes. Almejo ser exatamente este tipo de escritora: a que observa cada cantinho do mundo de forma minuciosa e encontra inspiração também nos encontros e desencontros da vida, nas alegrias e nas tristezas.
Talvez eu ainda esteja um pouco perdida no meio do caminho – e será que alguém não está? Mas você me ensinou também que é preciso confiar.
Então, mesmo quando meu mundo inteiro estremece, permaneço agarrada aos meus sonhos e às lições sobre perseverança que aprendi com Harry e, portanto, contigo.
Resta dizer: muito obrigada por isso.
Um abraço,
Rafaela
Teu texto me fez sentir novamente um carinho pela J. K. Rowling, depois das polêmicas do que ela falou sobre trans no twitter.
Obrigada por isso, Rafa.
Também amo Harry Potter. É uma história muito importante pra mim que me ajudaram inúmeras vezes na vida desde que os li pela primeira vez, começando lá pelos 11 anos.
Notei ensinamentos antigos na história, refleti sobre isso. Fico curiosa se a J. K. fez intencionalmente ou intuitivamente.
Beijos, Bibi.
Oi, lindona!
Acredita que só fui saber das polêmicas depois de ter escrito este texto?
De qualquer modo, pelo menos a mim, o carinho pela J.K. não sumiu…acho que ao longo da vida às vezes as pessoas erram e se equivocam, mas sou meio contra essa história de “cancelamento”, sabe? Principalmente quando se trata de alguém que fez uma contribuição muito significativa, impactou positivamente a vida de tantas pessoas…
Enfim, de qualquer forma, a ideia da carta era falar da essência mesmo dos aprendizados do livro.
Harry Potter realmente marcou minha vida! hahaha
Abraço e obrigada pelo comentário. 🙂