Dicas para escrever pipocam diariamente pelas redes sociais e o que não faltam por aí são fórmulas prontas sobre como produzir conteúdos incríveis. Acontece que, a meu ver, permitir que a escrita aconteça nada tem a ver com processos engessados.
Conforme mencionei em outro artigo recente, compreender que existem técnicas e demandas de mercado para variados contextos de escrita pode até ser legal para começar a escrever. Mas só isso não basta.
Escrever, para mim, é como respirar. É como se as palavras aqui dentro aguardassem pelo encontro da caneta com o papel – ou a tela do computador. Por meio delas, tudo o que ainda não foi bem elaborado internamente começa a ficar mais claro.
Vale a pena seguir dicas para escrever prontas?
Minha escrita é um ato revolucionário de reencontro comigo mesma. Justamente por isso me permito publicar aqui um artigo com dicas para escrever: acredito que, quando aceitamos dar vazão ao que sentimos e transformamos nossas percepções em palavras, processos muito profundos acontecem.
Ainda assim, para não ser incoerente, preciso dizer que talvez as dicas a seguir não são as que vão funcionar melhor para você. Elas têm muito a ver também com a rotina que estabeleci para minha vida, com práticas que fazem parte do meu dia a dia.
Mas isso sou só eu. Você não precisa ser igual. Ainda assim, se quiser alguma dose de inspiração para começar, acredito que as ideias abaixo realmente podem ajudar. 🙂
5 ideias práticas para começar a escrever
1) Tire 15-30 minutos por dia para meditar ou fazer uma prática formal de Yoga
A escrita mais bela sempre vai nascer de um encontro com você mesmo. Só que você precisa permitir que esse encontro aconteça.
Sei que a vida é, muitas vezes, corrida. Lembre-se, porém, de que tudo é uma questão de saber eleger prioridades. Em minha opinião, nada pode ser mais importante do que se permitir, uma vez por dia, ficar consigo mesmo.
Portanto, reserve esse tempinho para você. Permita-se. Está tudo bem largar o celular, desligar o rádio e a televisão por alguns momentos. O mundo não vai acabar nesse meio tempo. Acredite.
Há muitas e muitas formas de você meditar. Eu comecei com um aplicativo mesmo – chamado Insight Timer – que tinha um cronômetro e me permitia colocar barulhinhos de chuva, vento, ou músicas relaxantes. Depois que comecei a ficar mais confortável com o silêncio, nem senti mais necessidade do app.
Em relação ao Yoga, sei também que existem aplicativos (embora nunca tenha experimentado), e diversos vídeos no Youtube. Mas recomendo que, para começar, você procure um professor ou uma professora de confiança. Busque essa orientação. Com certeza vai ajudá-lo(a) a ter disciplina e tranquilidade para praticar.
Mas o grande barato é justamente isto: depois que você conhecer algumas das principais posturas e técnicas de respiração, também desenvolverá autonomia para realizá-las sozinho, no quarto, ou em qualquer lugar.
A chave é começar. Permita-se criar um vínculo com a prática. Olhar para o seu corpo e senti-lo, prestar atenção aos seus pensamentos, mas sem julgamentos. Deixe o encontro acontecer. Ele pode ser assustador a princípio, porém é mágico na mesma proporção.
2. Faça uma caminhada contemplativa
Você já parou para pensar que é possível também meditar ativamente? Caminhar sem rumo, para mim, é uma forma de fazer isso – aliás, já ouvi falar também de vários escritores e espiritualistas que defendem essa prática. A ideia de vagar sem o propósito de chegar a algum lugar determinado é, por si só, um exercício de contemplação.
Vou dar um exemplo: escrevo estas palavras em meio à pandemia do Coronavírus. Nas poucas vezes que tenho saído de casa, reparo em tudo. No andar das pessoas, naquelas que usam e não usam máscaras. Nas cores das máscaras. Em como a vida diária, o andar, as feições das pessoas se transformaram.
Só isso já me rendeu inspiração para diversos textos. Como escritora, se não sou capaz de olhar para a realidade e fazer alguma leitura, refletir, internalizar de alguma forma o que estou observando, não terei acesso a material criativo.
Não adianta só beber em outras fontes, ver conteúdos de outras pessoas. Preciso captar aquilo que eu vejo.
3. Anote um pensamento ou sentimento no moleskine (ou bloco de notas). Elabore-o
Sentir e pensar. Algo que todos nós fazemos diariamente, não é? O problema é que ficamos no raso. É gostoso lá. A gente não precisa elaborar nada.
A questão é que, para escrever textos que realmente valham a pena, é necessário aprofundar. Texto bom é texto que reflete na alma. Então, comece por aí. Capte um pensamento.
Permita-se sentir a sua alma. Como ela reage a tudo o que você escuta, assiste, ouve?
Pode ser um sentimento de indignação frente à política. Ou algo positivo, como um pequeno gesto de amor que você observou entre um casal na rua. O que isso desperta em você? Você lembra de um antigo amor? Ou de um possível novo amor? Alguém que você ama e está longe?
Procure mergulhar nessa autoanálise. Quando faço esse processo, gosto bastante de fugir do celular. Coloque esse pequenino em modo avião, pelo menos por uma horinha. Pegue um caderninho e uma caneta. E deixe fluir. Conecte-se a esse fio de sentimento que brotou a partir da observação.
Não existe certo e errado. Porque, no momento em que começar a escrever, você já vai estar criando. Isso é arte. Ela não precisa de roteiro. Deixe brotar, florescer.
Esqueça a cobrança embutida pela sociedade sobre seu pensamento ser “certo” ou “errado”. Ou sobre gêneros de escrita. Invente. Passeie pela crônica, pela poesia, pelo texto informativo.
Brinque com seu texto. Ele é seu. Portanto, você é livre para fazer o que quiser com essa criação.
4. Converse com um estranho e preste atenção
Quando éramos crianças, nossos pais nos advertiram – com sabedoria – a não falar com estranhos. Afinal, isso poderia ser perigoso. No entanto, a vida adulta nos permite ser um pouco mais ousados. Creio muito que, para escrever algo incrível, é necessário sair da bolha.
E como saímos dela? Falando com pessoas que, muitas vezes, não estão inseridas nela.
Fale com a caixa do supermercado. Pergunte algo a ela. Troque ideias com pessoas que são de classes sociais diferentes, que têm origens étnicas distintas da sua. Agora, durante a pandemia, você pode fazer isso pelas redes sociais mesmo.
Garanto: você vai se surpreender ao ouvir as histórias das pessoas.
A vida humana, por si só, já é a maior fonte de inspiração possível à escrita. Mas precisamos saber ouvir uns aos outros. Confiar mais.
Sair da nossa prisão mental e escrever melhor também depende da habilidade de se permitir abrir-se ao outro. Ser vulnerável. Parar de erguer muros.
Ouça mais. Fale menos.
5. Descreva algo que lhe machucou no seu dia
Vamos ser sinceros aqui? Cá entre nós: nossas vidas não são tão maravilhosamente perfeitas conforme mostramos lá no Instagram. Nada é 100% lindo o tempo todo.
Mas sabe o que eu acho bonito? Quando a dor se transforma em arte. Escrita que brota da tristeza é algo lindo, pois nos aproxima, nos faz sentir compreendidos quando tudo está uma droga.
Então, se você quer escrever, comece se abrindo à possibilidade de admitir que você sente dor. Que às vezes as coisas não saem conforme o planejado. Que às vezes você se percebe triste, com inveja, ciúme, ou raiva. Todos esses sentimentos estão dentro de nós e, volta e meia, eles batem na porta.
A questão é: como você lida com isso? A escrita também é uma excelente companheira nesse sentido. Ela nos permite canalizar toda essa dor e transformá-la em algo para o mundo. Alguns textos meus, extremamente vulneráveis, foram também os mais difíceis de escrever.
Mas foram justamente eles que renderam comentários do tipo: “me identifiquei muito com a sua história”, “passei por algo muito parecido, obrigada por ter compartilhado isso”.
Porque, por trás das máscaras, a verdade é que todo mundo sofre de vez em quando. Liberar isso por meio das palavras ajuda em nosso processo de cura, ao mesmo tempo em que auxilia outras pessoas na trajetória delas também.
Então, diante de um dia ruim, ao invés de deitar na cama e sofrer com ansiedade, a dica é: transforme o que é ruim também em inspiração para escrever. Descreva como alguém lhe machucou, lhe ignorou ou foi injusto com você. Bote para fora. Quem sabe a dor não vira crônica ou poesia?
Um comovente exemplo que posso trazer aqui nesse sentido é o da Carolina Maria de Jesus. Ela é autora de um dos livros mais tocantes que li nos últimos tempos, chamado “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.
Como o próprio nome da obra entrega, ela foi escrita por uma ex-moradora da favela de Canindé – uma das primeiras de São Paulo, na década de 50.
O livro é, na verdade, uma série de extratos dos diários de Carolina Maria, descritos com uma lucidez impressionante e, ao mesmo tempo, marcados pela dor de uma mulher relegada pela sociedade capitalista.
É excruciante ler os depoimentos dela narrando, por exemplo, a tortura da fome e os pensamentos suicidas provenientes de acordar diariamente sem saber se haverá comida na mesa para ela e para os filhos.
A linguagem que ela utiliza é simples – mas nada simplista -, há erros de português, mas ao mesmo tempo tudo isso só confere um realismo ainda mais impressionante à narrativa.
É belo e torturante de ler. Eis um exemplo de alguém que transformou dor em escrita. No caso dela, possivelmente as palavras lhe tenham salvado a vida inúmeras vezes.
Recomendo muito a leitura, mas aqui lhe apresento ela como ilustração de que a dor também pode se transmutar em uma escrita pura e que transcende qualquer pretensão de ser algo específico.
Explore sua dor. Não a ignore. Ela pode lhe ajudar a escrever melhor.
E a lidar com a vida – em toda a sua profundidade – também.
Curtiu as dicas? Já colocou ou vai colocar alguma delas em prática? Me deixa saber aqui nos comentários. 🙂 vou adorar ouvir sobre o seu processo.