Quando deixo a superfície

As nuvens passavam, eu pensava sobre profundidade.

E me assustava. Talvez diante da ideia de jamais encontrar alguém capaz de mergulhar tão fundo na vida comigo. 

Por que não me contento com o banal? 

Tentei. Sei bem que tentei. O problema é que já não me percebo capaz de habitar contextos em que as conversas são tão iguais.

Tudo é trabalho, política, dinheiro, meta. Investimento, plano, matéria.

Concreto. Lucro.

Só que eu queria falar das flores. Dos contornos. Das sombras que formam desenhos nas paredes.

Daquilo que gostaria de fotografar. De arte. De morte e vida também.

Música. Poesia.

Por que o abstrato não interessa a ninguém? Só por que não é produtivo?

Bem, este é meu coração.

Tentei congelá-lo para me adequar ao sistema. O problema é que cada dia tinha um resquício de suicídio. 

Estava desnutrida de existir.

Foi contemplando as ondas do mar em Garopaba, meu lar de alma, que finalmente entendi.

Nós somos como as ondas. Estas, que batem em uma rocha e, no instante seguinte, já desaparecem.

“Como podemos ser tão frágeis?”, refletia.

Em essência, não somos. É só que todo externo se vai rápido.

Hoje sinto compaixão. 

De quem vive no raso sem saber que, no fundo, já está morto.

Se você não contempla, não existe.

Desculpe a profundidade.

Aliás, desculpe não.

Só sei ser assim. E não peço mais perdão por isso.

Aqui o espaço para quem faz questão de ficar na margem acabou.

Porque já mergulhei onde não dá pé faz tempo.

2 respostas para “Quando deixo a superfície”

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