Foto: Jazmin Quaynor, Unsplash
Às vezes reflito sobre o quão enigmática é a experiência de viver em um mundo moderno repleto de tantas possibilidades. Hoje acessamos infinitos por meio de um simples dispositivo que cabe em nossas mãos. O capitalismo – em sua infindável expansão – nos oferece cada vez mais.
As redes sociais reúnem entretenimento, lazer, socialização, possibilidade de engajamento em causas políticas. De um vídeo no Youtube pulamos ao feed do Instagram ou do Twitter. Mergulhamos em conversas pelo WhatsApp, participamos de reuniões pelo Zoom ou Google Meet.
Sempre há algo a se fazer. Se qualquer vazio interior espreitar, temos alguma distração disponível. Parece o paraíso. Mas às vezes me pego refletindo sobre o perigo dessa facilidade de abrirmos mão de um momento de silêncio e nos afastarmos de nós mesmas.
Se os algoritmos procuram adivinhar do que gostamos, para onde queremos ir e o que queremos comprar, onde fica nosso poder de decisão? Quando paramos para pensar sobre quem está por trás da tela?
Nós raramente o fazemos.
O que nos faz sofrer é nossa própria ausência
Ter lido o livro de Harari “21 Lições para o Século 21” foi um dos turning points que me fez refletir mais sobre a questão de estar “presente em mim”. À época, instigada pelo historiador, passava a divagar acerca dos perigos de terceirizar todas as decisões à tecnologia. Afinal, se por um lado isso traz praticidade, por outro facilita a alienação.
O ser humano parece já ter a tendência de fugir de si. Afinal, olhar para o externo e se distrair pode ser menos doloroso e trabalhoso do que fazer um trabalho interno. Encarar de frente os erros e acertos, as evoluções pessoais e os retrocessos, viver de verdade – com intensidade. Isso exige trabalho, entrega, confiança.
Hoje enxergo a questão com ainda mais seriedade e profundidade, fazendo até mesmo um recorte de gênero – algo inevitável enquanto mergulho na leitura de “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir.
Para nós, mulheres, é ainda mais fácil perdermos de vista o que é real e verdadeiramente importante, nos deixarmos levar. Temos a tendência, por nossa criação, de sermos mais ingênuas (pensar que homens ou outras pessoas, no geral, sabem o que é melhor para nós) e a criarmos fugas diante de uma realidade que nos oprime.
“A menina não pode encarnar-se em nenhuma parte de si mesma. (…) À mulher, ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar sua autonomia” – Simone de Beauvoir
Em termos mais simples: para sobreviver em uma sociedade patriarcal e machista, toda mulher sente um ímpeto ainda mais forte de se anestesiar da realidade com distrações. O pior é que isso nos deixa ainda mais vulneráveis em um mundo que não nos quer poderosas e exercendo nossa voz.
Percebe, então, o quanto isso é problemático? Para anestesiar a dor, fugimos para distrações, só para descobrir às vezes uma opressão ainda maior – comparando nossos corpos no Instagram com o de outras mulheres e, muitas vezes, caindo em uma espiral de vertigem e perda de tempo com vídeos e imagens que não nos levam realmente adiante em nossos mais autênticos objetivos de vida.
Aqueles que, possivelmente, nos libertariam intelectual, emocional e financeiramente.
O silêncio dimensiona a realidade e traz as melhores respostas
Diante de tais percepções, penso que na era em que vivemos buscar o silêncio é algo que toda mulher deve fazer. Sei que é complexo diante dos turnos de trabalho e exigências da família, casa, filhos, além das demandas de cuidados com a beleza e o caos tecnológico.
Mas todo esse caldo torna precisamente a prioridade de silenciar ainda mais importante. Porque, sinceramente: ninguém vai oferecer o silêncio contemplativo a você.
O mundo está cada vez mais rápido, veloz e barulhento. No contexto patriarcal, é bem provável que o “tom” desse barulho esteja lhe machucando ainda mais profundamente, com propagandas que insistem em reforçar seus pontos negativos, ao invés de qualidades.
O “timbre” da realidade contemporânea vai dizer que você não é bonita o suficiente, ou não é competente, ou que deveria “comprar” tal coisa para se tornar “perfeita” – algo que você, por essência, já é – ou seja…que não pode ser barganhado como propõe a mensagem de um mundo baseado em compra e venda.
E, veja bem: quando você cai nessa espiral de confusão e barulho, pode começar a procurar respostas nos lugares errados. Nem sempre a Igreja, um padre, uma religião, um coach, ou um influenciador digital vai ser capaz de dar um direcionamento à sua vida (pode duvidar até mesmo do que eu escrevo à vontade, viu?).
O ponto é: tudo isso pode até lhe orientar, mas só até certo ponto. Com a filosofia de Yoga, aprendi que o silêncio nos empodera.
Que há respostas que você só pode encontrar para si mesma ali. É na paz que brota do contato com a parte mais interna que lhe habita que os insights mais poderosos vão surgir. Mas você precisa exigir esse espaço de silêncio.
Faça um pacto consigo mesma e permita-se a quietude. Seja meditando, ouvindo uma música, desenhando ou criando algo da maneira que preferir. Porque, como também disse a própria Beauvoir:
“Criar é fazer rebentar no seio da unidade temporal um presente irredutível”.
E estar em um presente irredutível é a verdadeira forma de paz. Em um mundo de respostas fáceis e prontas, só você mesma pode encontrar as suas.