Pérola: um filme sensível sobre a tessitura dos afetos na passagem do tempo

Foto: Marcinho Nunes/Divulgação

O que nos afeta? Como lidamos com o que nos afeta?

Pérola é um filme “joia” que mergulha a espectadora e o espectador justamente na história de uma família brasileira que, na cidade de Bauru – interior de São Paulo -, começa a construir novos sonhos, em um novo lar.

Gentilmente, o diretor Murilo Benício nos apresenta as personagens deste núcleo e, a partir daí, propõe reflexões acerca desta tessitura dos afetos: a “matéria-prima” que constitui a vida dos seres humanos do início ao fim.

Com enfoque principal na relação mãe-filho, o filme apresenta uma espécie de “flashback” da história de Mauro (Leo Fernandes) que, diante da morte da mãe – apelidada de “Pérola” (Drica Moraes) – passa a rememorar suas lembranças. “Passeando” por memórias da vida adulta à infância.

Sonhos de cada um, os conflitos em relação ao dinheiro, as ambições materiais e espirituais, tudo o que atravessa a experiência humana dentro do contexto familiar. Com doses muito bem colocadas de humor e seriedade, o filme passeia por temas extremamente atuais.

Há janelas muito interessantes para eventuais debates abertas pela obra, como o envelhecimento da população e o impacto disto no contexto das famílias.

Também a possibilidade de uma família “acolher” um filho homossexual e, ainda, o alcoolismo (até que ponto a caipirinha é uma “diversão” e até que ponto é um “remédio” adotado para lidar com as dificuldades da vida e aquilo que não se consegue transformar em palavra?).

Outro tema que abre margem para diálogo é a inserção mais iminente da religião no contexto familiar e como ela atravessa sua estrutura, contemplando mais uma pauta genuinamente contemporânea.

Em especial no que se refere à ascensão das Igrejas Evangélicas. Para além de classificar esta presença religiosa como “boa” ou “ruim”, a ideia do filme é proporcionar conversa.

Naturalmente, passeando por todos os percursos citados, a adaptação cinematográfica da peça autobiográfica de Mauro Rossi também aborda a tão intensa relação mãe-filho. Esta que se constrói em ausência e presença.

Após o fim da sessão, conversando com as psicólogas Maria do Carmo Dilly e Carla Haupenthal tecemos ainda mais algumas observações. Em especial, a questão da confiança – sentimento bonito quando se solidifica na relação parental.

Como quando, por exemplo, Pérola pergunta a Mauro: “posso mergulhar? A piscina está limpa?”. Piscina, esta, que simboliza um projeto. O sonho daquela mãe. Que, por mais que demore para se realizar, vai ganhando estrutura com o tempo. Também, assim, é um “norte”, algo que move esta mulher adiante.

Afinal, como lindamente colocou a atriz Drica Moraes em entrevista ao “Conversa com Bial”:

“Estar vivo é fazer projetos”.

Talvez por consequência, a piscina simboliza também um elo que solidifica, traduz a conexão entre os componentes da família, em meio aos projetos pessoais de cada um.

Afinal, a cena inicial do carro que ficava “apertado” na garagem já parecia dar uma pista: para alguém ali, o espaço era pequeno demais para o tamanho do sonho. Este não cabia só no universo familiar.

Enfim, “Pérola” é sobre isto também. Pensar a família. Esta estrutura que permanece como símbolo de um porto-seguro, apesar das discordâncias, atritos, desencontros.

Mauro sentia-se incompleto naquele lugar, mas sabia que era um ambiente ao qual sempre poderia retornar “apesar de”.

Apesar de”, como diria Lispector.

O que cabe dizer sobre o filme em última instância, talvez, é que se trata de uma adaptação que versa sobre a poesia do cotidiano, as belezas e tristezas da passagem do tempo, as alegrias e entraves na comunicação. E aquele olhar que permanece comum: o dos afetos.

Deixa, ainda, algumas perguntas-legado: “o quanto de nossos sonhos cabem na realidade? Como equilibrar esta equação entre o universo do desejo e da materialização do mesmo? Como dividi-lo com quem amamos – dentro ou fora do núcleo familiar?”.

Por fim, uma dica última: prestigie nos cinemas. Streaming é gostoso, confortável, mas sair de casa e viver a experiência da arte e seu impacto no coletivo é potente. Afeta, de fato.

E você? Acompanhou “Pérola”? Sinta-se à vontade para partilhar suas percepções nos comentários.

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