O impacto da palavra de um pai. A passagem – inevitavelmente, de algum modo -, traumática da infância para a adolescência.
A vergonha. O medo. A curiosidade. A descoberta da sexualidade. Todos estes elementos constituintes da experiência de uma jovem são costurados no romance “A Vida Mentirosa dos Adultos”, assinado pela escritora Elena Ferrante.
A indicação do livro por parte da atriz Natalie Portman foi o que, de antemão, me inspirou a mergulhar no texto da autora. Esta que, de fato, a meu ver, possui a capacidade brilhante de adentrar na psique humana.
Ferrante cria um enredo intrigante, com reviravoltas marcantes e seu grande mérito é a empatia capaz de gerar pelas personagens, humanizando-as.
O texto tem um tom psicanalítico, permitindo um mergulho no mundo interno de Gianni – a protagonista – a partir de uma frase escutada sem querer pelos lábios do pai: a de que ela estaria ficando “igual à Tia Vittoria”.
Tia, esta, que pelas narrativas parentais era sempre mencionada como uma mulher na qual “feiura e maldade coincidiam perfeitamente”.
O impacto da frase parece ser fator norteador da narrativa desde o princípio até a última página do livro. O que, naturalmente, evidencia o peso da palavra saída do genitor do sexo masculino para Gianni.
Ela permeia tanto a imagem que a menina faz de si própria, quanto suas decisões – sejam elas de cunho sadio, ou autopunitivas – em seu desabrochar. O impacto da sentença culmina na necessidade urgente da personagem de descobrir a pessoa por trás deste “rosto misterioso” que agora também a molda.
Assim, ela passa a explorar tanto os cantos inexplorados da cidade onde mora – Nápoles -, quanto os segredos que a família guarda.
Em uma jornada instigante reveladora de traições, insensibilidades e a descoberta de um universo adulto que retira os pais do pedestal onde geralmente são colocados pela criança, o que Ferrante nos oferece, sobretudo é a possibilidade de um olhar muito íntimo.
Olhar, este, que deixa algumas perguntas-legado importantes:
Será que, enquanto adultos, nós medimos suficientemente bem as palavras que usamos para falar com crianças e jovens, considerando o impacto que têm em suas vidas? (Em certo momento, a personagem chega a pensar diante do elogio de outro homem por sua beleza: “Cuidado com o que você diz. Meu rosto já mudou por causa do meu pai e me tornei feia. Não brinque de mudá-lo você também, tornando-o bonito. Estou cansada de ser exposta às palavras dos outros”).
Assim, outra questão:
Como a vida de jovens mulheres é atravessada pela presença, a sentença, o poder e a sexualidade masculina?
Qual é o impacto de todos estes elementos em sua própria percepção do desejo, do prazer e da experiência sexual, em si?
Para toda menina que já se tornou, ou segue em sua busca de tornar-se – como diria Beauvoir – mulher, penso que esta leitura será como um abraço compreensivo.
E você? Já leu “A Vida Mentirosa dos Adultos”? Se tiver mais contribuições sobre a obra, compartilhe aqui que adorarei saber. 💛