O que lhe toca no mundo? Aí está sua inspiração para escrever

“As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.” – Victor Hugo

Somos pessoas diferentes, com histórias de vida distintas. Cada um de nós sabe a dor e a delícia de ser o que é. Aí está a beleza de tudo: somos únicos.

Não é louco pensar que todos enxergamos um mundo próprio? Que tudo que vemos “aqui fora” é reflexo da nossa mente, moldada por nossas histórias de vida?

O dia pode estar cinza lá fora e, como eu gosto do inverno, posso pensar: “uau, que delícia de friozinho e de clima gostoso para escrever”. Outra pessoa, no mesmo dia, no mesmo horário – e que talvez tenha algum trauma com o frio – pode pensar “nossa, como eu detesto passar frio! Gostaria de ficar na cama hoje e não fazer nada!”.

Por mais desconexo que possa parecer de início, isso tem tudo a ver com a escrita. Como a monja Jetsunma Tenzin Palmo escreve no livro “O Coração da Vida”, nossas percepções criam a nossa realidade.

Quando olhamos alguma coisa, simplesmente vemos tal coisa por um momento, mas imediatamente depois entram em cena nossos julgamentos, opiniões e comparações.

Isso porque a forma como enxergamos o mundo depende de nossa história de vida, o DNA que nos moldou. Dentro de uma grande cidade, há várias coisas que podem chamar a minha atenção, mas não a sua – e vice-versa.

Eu posso reparar em uma flor escondida, você em uma pessoa ou situação. Deu para captar o que quero dizer?

 O fato é o seguinte: há uma lente sob tudo o que enxergamos. Ela é singular para cada pessoa – na verdade, isso que cria uma certa separatividade em cada indivíduo.

Em muitos contextos, tristemente, é isso que pode nos separar. Por outro lado, porém, também pode nos unir. 

 Porque podemos encontrar uma forma de conectar essas diferentes visões. A arte faz isso. A música faz isso. A fotografia faz isso. A escrita faz isso.

Escrever um texto é aproximar suas leitoras e leitores do que você enxerga no mundo

Por meio das palavras, você pode me apresentar à sua realidade. A um mundo completamente novo que, até então, somente você havia enxergado. Todos nós temos esse potencial. Costumo ver inspiração por todos os lados.

Trata-se apenas de treinar – e focalizar – o olhar. O mundo é amplo, muitas vezes caótico e complexo. Justamente por isso um exercício interessante para começar a coletar suas referências para a escrita é desenvolver uma atenção mais plena para aquelas coisinhas que realmente lhe tocam na neste planeta.

Há uma verdadeira infinidade de fatores que podem receber nossa atenção. A vida das pessoas menos favorecidas, moradores de rua, virou pauta de um livro inteirinho da brilhante jornalista Eliane Brum, chamado “A Vida que Ninguém Vê”. 

Em outra de suas maravilhosas obras, “O Olho da Rua”, ela também traz reportagens sobre parteiras na Amazônia e outras histórias sobre as quais a maioria de nós jamais reflete na vida cotidiana.

O que Eliane fez? Ela simplesmente lançou um olhar inédito e cheio de sensibilidade para realidades que costumamos ignorar.

São apenas exemplos. Mas há uma verdadeira lista de temas, histórias e conteúdos pelos quais você pode desenvolver até uma certa obsessão.

Culinária? Plantas exóticas? Pets? Viagens? Construções inteligentes e sustentáveis? Empreendedorismo? You name it. De verdade, as possibilidades são muito amplas.

 Vale até mesmo pensar sobre aquilo que lhe causa algum tipo de dor. Sim, porque certamente há algo no mundo que deve impactar você de uma forma mais profunda nesse sentido também.

Alguma experiência traumática pela qual passou em um relacionamento, o medo de envelhecer, questões de trabalho. Sempre há alguma questão permeando nossa vida. Mesmo aquilo que incomoda a gente pode ser inspiração para a escrita.

A raiva, a dor, a tristeza, a indignação, a incompreensão, o medo. Todos esses nossos sentimentos também anseiam por uma válvula de escape. E a palavra sempre é um caminho.

Quando decidi lança este blog em 2019 e escrever meus próprios textos, refleti muito sobre o que me tocava no mundo naquele exato momento. Queria lançar um novo olhar sobre a minha geração, falar sobre diferentes formas de se viver e trabalhar, sobre a experiência de ser freelancer e viajar a trabalho, vivendo uma vida minimalista.

Desde então, já escrevi mais de 60 textos que mesclam assuntos sobre todos esses universos do nomadismo digital, trabalho remoto e minimalismo. Acho que a paixão que tenho pelos temas citados, somada ao fato de trazer relatos muito pessoais e reais das experiências que tenho vivido, cria uma aproximação com as pessoas.

Eu mesma também me transmutei nesse processo. Ganhei coragem de explorar outros vieses literários. Ousei até publicar crônicas e poemas. Quebrei barreiras mentais. Me aperfeiçoei como escritora e pessoa desde que passei a me permitir assinar meus próprios textos.

Em termos de pauta, eis outro exemplo: à medida que também fui crescendo enquanto pessoa e profissional, um tema que se tornou central em minha vida foi a questão da carreira das mulheres. Por que eu tive que trabalhar tanto a mais que um homem para ter o mesmo salário? Por que tive que me preocupar sempre tanto com o meu corpo, se não sou “só um corpo”?

Levando essas questões para uma amiga, ela também apresentou os mesmos desconfortos. Em sintonia com outros movimentos que estouraram no mundo – como o #MeToo, por meio do qual diversas atrizes reportaram casos de assédio em Hollywood e trouxeram o feminismo de volta às manchetes – nós decidimos que era hora de fazer algo.

 Assim, lançamos um projeto chamado NÓS, uma plataforma de conteúdo, por meio da qual publicamos conteúdos feito por e para mulheres (hoje o projeto está em pausa por falta de tempo, mas esperamos retomar em breve!).

Nele, o que nos propusemos a fazer foi trazer uma visão sobre cultura, música, empreendedorismo, beleza e sustentabilidade – sempre sob uma perspectiva feminina, sempre com enfoque na realidade das mulheres (independentemente de idade, cor ou classe social).

Bem, o que eu posso dizer é o seguinte: nunca, nunquinha, faltou assunto para publicarmos em nossos canais digitais. Porque a realidade sempre nos dá material para criar.

Sabemos que todos os dias mulheres sofrem abusos de todo o tipo, violência física e psicológica, lutam contra a disparidade salarial, encaram pressões estéticas e mentais.

Está na mídia, nas relações pessoais e profissionais, nos conflitos entre gerações. Enquanto houver desigualdade entre homens e mulheres, sempre haverá material a ser escrito permeando o tema do feminismo.

Há muita desconstrução pela frente. Como poderia, então, faltar inspiração para escrever?

Os maiores entraves: hiperestimulação com conteúdos alheios e desatenção

É por isso que eu afirmo: para você escrever e ter ideias de conteúdo, o primeiro passo é justamente identificar o que lhe toca no mundo. Ao aprimorar essa sensibilidade, você vai ver como uma infinidade de temas e acontecimentos do cotidiano podem se relacionar com isso.

Você pensou aí agora “hmmmmm, não tenho a mínima ideia do que me toca no mundo! E agora???”. Minha resposta é: acredito que só precisa prestar um pouquinho mais de atenção. Entendo você. Às vezes a vida é tão, mas tão corrida que a gente não sabe mesmo onde focalizar nosso olhar.

Eu, por exemplo, percebi que não seria capaz de ter foco para produzir conteúdo para mulheres, para blogs de viagem, finanças, empreendedorismo, saúde e, ao mesmo tempo, para o meu próprio blog. Tive que reduzir. Focar.

Entender o que era, de fato, mais relevante. Aquilo que realmente tocava o meu coração.

 O fluxo de informação acelera a gente demais. Percebo que uma das maiores dificuldades para criadores de conteúdo que querem trabalhar profissionalmente no mercado online é justamente saber por onde começar.

Definir as suas próprias linhas editoriais, ou que tipo de cliente almejam atender. E por quê? Bem, porque passam tanto tempo consumindo conteúdo de outras pessoas, que na hora de criar o seu simplesmente travam.

Já passaram por uma exposição tão exagerada a outros conteúdos e referências que se sentem perdidos. Então, por mais paradoxal que possa parecer, talvez o primeiro passo para você coletar boas referências para a escrita seja ficar offline.

Desligar um pouquinho do celular em determinados momentos. Olhar para a vida como ela é. Assim a criatividade começa a nascer e fluir.

Inspiração para escrever: exemplos criativos

Um amigo me contou que a Billie Eilish – cantora que tem músicas incríveis, diga-se de passagem – adora andar pela cidade e gravar sons.

Em uma canção dela, ele me disse, o “pano de fundo” não é um instrumento. Mas sim o barulho de um semáforo na Austrália (ou algo do tipo). Isso, meus amores, é criatividade.

Fotógrafos também são um ótimo exemplo para contextualizar o que quero dizer. O que está por trás de uma fotografia incrível do Sebastião Salgado ou da Annie Leibovitz? É muito mais do que a técnica.

É a sensibilidade de captar os detalhes, de enxergar aquilo que só eles veem. Você não precisa entender de fotografia para olhar as imagens e se encantar.

 Mais uma vez: não é tanto sobre o tema, é sobre o olhar que você dá a ele. Como escritores, também fazemos isso. Extraímos fragmentos da realidade.

Colocamos nossa percepção neles. E entregamos ao mundo, soltamos, deixamos tocar o outro, da forma que for possível.

Claro que a gente não começa a escrever e se torna de cara uma Annie Leibovitz das palavras. Mas lembre-se de que o importante é começar. A perceber, antes de mais nada.

Viver a vida de uma forma mais consciente, presente, atenta. Depois, transformar nossas percepções em palavra se torna mais simples.

 Ouso até dizer que se torna necessário. Quando você começa a olhar o mundo com mais profundidade, atenção e intenção, percebe que realmente as pessoas vivem “adormecidas”. Correndo contra o relógio, com os olhos grudados no smartphone. Não existe tempo disponível à contemplação.

 “A maioria das pessoas apenas existe. Viver é raridade”, disse o Oscar Wilde – ou algo nesse sentido. Pois bem, reparar nisso pode ser bem assustador. Mas é aí que entra a palavra.

Você também vai conseguir transitar melhor por esse mundo de automatismo com essa ferramenta essencialmente humanitária em mãos. Posso afirmar: se for capaz de fazer isso, suas palavras vão mesmo ser ferramentas políticas de transformação social.

Uma das minhas maiores alegrias enquanto escritora é ler os feedbacks que meus leitores escrevem. Soube de pessoas que tomaram decisões importantes depois de lerem algum texto meu.

Outras me escreveram dizendo “nossa, você descreveu exatamente o que eu sinto”. Ou, então, “seu texto me fez repensar algo”. Esse poder de transformação das palavras é realmente muito incrível.

E faz um bem danado para a nossa própria alma saber que o que escrevemos é capaz de tocar o coração de outra pessoa, chegar a esse lugarzinho íntimo e especial.

Então, bora começar?

Este texto é uma adaptação reduzida do quarto capítulo do meu livro: “O Nascer da Escrita: encontre sua voz (e a de seus clientes) por meio das palavras”. Clique aqui para garantir seu exemplar e conferir na íntegra.

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