Terminei de ler “Uma Duas”, de Eliane Brum, depois de um dia de faxina. Externa e interna.
Lavei roupas e louças pensando se haveria uma forma mais suave de fazer aquilo. Algo que fizesse as coisas durarem mais.
Mas a crueza de minha percepção se alinhou ao estarrecimento diante das últimas páginas do livro. Sim, procurar mais delicadeza é sempre possível. No entanto, em algum momento, na vida, tudo vai se desgastar de qualquer forma.
Foi o que me fez constatar a narrativa tecida pela jornalista, revisitando uma relação conturbada entre mãe e filha. Isto, ainda, diante de uma observadora exigente, que explicita com urgência esta impossibilidade de cessar o fim de uma existência sem nenhum arranhão.
A Morte.
Importante dizer: uma narrativa apresentada na versão de ambas: Eliane, em sua imensa generosidade, escancara em palavras dois lados de uma história marcada por amor e dor. A da mãe. A da filha.
É uma trama, a meu ver, de tom psicanalítico e social. Duas vertentes que se cruzam de certa maneira, prendendo atentamente quem lê. Porque são palavras que falam de nós. Mulheres. Homens. Pessoas.
Para ir mais além do raso, a grande beleza da história de Eliane, em minha percepção, é levantar questões pessoais – transpondo-as ao coletivo.
- Onde começam e terminam nossos corpos?
- Como a presença de nossos genitores em nós nos torna seres sociais – em termos positivos e negativos? O quanto nos ajuda? O quanto nos destrói?
- Como experiências de abuso afetam estas percepções?
São perguntas-legado do livro de Eliane. Perguntas que, em meu entendimento, são urgentes que façamos ainda em vida.
Antes da morte nos olhar pelo canto do olho, derrubando falsas ilusões e alienações esmagadoras.
Afinal, como a autora escreve, “a morte encerra todos os jogos”. E, mesmo quando não aparece de modo iminente, sua temática necessita se fazer presente em nosso existir.
A vida, afinal, só ganha perspectiva diante de um contemplar da Morte, penso.
A ti que me lês, recomendo uma vírgula: aprofundar estas questões, seguir a reflexão. E, claro, em especial sugiro a leitura de “Uma Duas”, disponível pela Arquipélago Editorial.