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“A Escrita como Faca e Outros Textos” (Editora Fósforo, 2023) é uma obra que conduz a leitora e o leitor a reflexões sobre memória, afeto, e, sobretudo, os “porquês” da escrita.
Em um formato bastante experimental – que mistura trechos de cartas, diários e entrevistas da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, Annie Ernaux, – o livro convoca a pensar a escrita e a leitura enquanto processos e, indissociavelmente, como atos políticos (ainda que apartidários).
Annie Ernaux faz, aqui, um relato sincero acerca da escrita quase como “obsessão”. Como ela se dá, a partir de uma necessidade muito íntima e profunda. Que espaços encontra em seu dia a dia.
Indo além, generosa como é, Ernaux revela também um pouco dos impulsos que a levam a redigir suas palavras – fios de memória que se costuram, fotos que despertam sentimentos pedindo por elaboração. Uma necessidade, agora parafraseando-a, de dar um sentido ao tempo, às coisas.
Pela escrita, a francesa parece querer fazer com que os acontecimentos não tenham um fim em si mesmos, mas que adquiram significado. Ernaux parece compreender, enfim, que fazer literatura, por meio da sintaxe, do uso das palavras e da escolha dos fatos a retratar é, em si, ato de libertação. E/ou de “vingar sua raça”, para citar termos que ela mesma coloca.
Seja como faca ou gozo/pulsão, intencionalmente ou simplesmente a partir de uma honestidade comovente, o fato é que na escrita de Annie nada é gratuito. Seu tecer das palavras é história, antropologia, psicologia, memória. Arte, em si. Política, portanto.
Recomendo a leitura.