Em um de meus últimos devaneios sobre liberdade, decidi passear com meu cachorro. Pela primeira vez, sem coleira. Depois de dar uma volta na quadra, ele encontra outros dois amigos de quatro patas. Passeavam também com sua dona. Sem coleira. Me aproximo para evitar qualquer tipo de conflito canino.
“Que lindos seus cachorros”, digo à menina. Percebo que ela usa um moletom do colégio. O mesmo colégio no qual, há 8 anos terminei o Ensino Médio. Pergunto, curiosa: “como andam as coisas por lá? “Não muito fáceis”, responde ela. “Estou feliz que logo vou me formar”. Relata que as minorias vêm sofrendo.
“Por que isso não me espanta?”, penso.
Rapidamente, percebo que houve um toque mágico do universo nesse encontro. Minha mente me leva de volta aos tempos da escola. Lembro de como eu costumava me comparar com outras mulheres. Como algumas pessoas sofriam preconceito simplesmente por serem “diferentes” e que, apesar do turbilhão emocional, a pressão maior sobre nós era tirar boas notas.
E aí lembro dos anos que se seguiram. Da faculdade. Do mercado de trabalho. Apenas uma versão maior – e mais ampla – do que o colégio fora. Não quero soar intimidadora, mas digo a ela “é, infelizmente, a luta não termina na escola”. Ainda acrescento: “tenho descoberto que a ‘vida adulta’ é um eterno processo de desconstrução do que o tempo do Ensino Básico fez com a gente.
Não é um papo dos mais leves, de fato. Mas nada tem sido muito leve nos últimos tempos para quem se preocupa com a forma como os grupos subjugados pela sociedade têm sido tratados. Mas há um sopro de esperança que paira no ar sempre que encontramos alguém que se identifica com nossas crenças pouco conservadoras.
A menina me conta que participa do Grêmio Estudantil. Que, no Dia da Mulher, organizou um encontro para que mulheres pudessem falar às outras sobre como sofreram repressão no mercado de trabalho ou qualquer outra forma de preconceito. Ela me conta, ainda, que algumas meninas anônimas estão publicando cartazes no banheiro da escola com frases feministas.
São coisas do tipo: “Moça, esqueça a competição. Não somos rivais, somos a revolução” e “Mulheres Poderosas empoderam outras”.
Intitulado grlpwrhelp, o grupo de meninas criou até uma página no Instagram. Nele, publicam imagens dos cartazes e escrevem a outras meninas “se você precisar de ajuda, chame no inbox”. Meu coração aquece. Penso: “há esperança”. Como eu gostaria que isso tivesse existido na minha época.
Depois de uma conversa nada rasa, pergunto o nome da menina e. claro, a parabenizo super empolgada pela iniciativa de falar sobre empoderamento no colégio. Ela se chama Melanie. E a gente se abraça. Umas duas vezes. Há força nesse abraço. Força de compreensão. Força de sororidade.
Apesar dos tempos estranhos, conversar com Melanie me fez perceber que ela, tão jovem, já tem muita mais CONSCIÊNCIA sobre feminismo do que eu quando tinha sua idade. E que ela já vai sair do colégio pro mundo mais preparada. Talvez sofra um pouco menos que eu em determinadas situações, assim espero.
Talvez saiba dizer não com mais firmeza e facilidade. Talvez não se sinta mal quando olhar para o seu corpo no espelho e observar uma gordurinha. Talvez conquiste segurança financeira com mais rapidez. Talvez nunca permita que um homem a faça sentir inferior, ou como se sua opinião não fosse válida.
Nesses momentos, percebo como o movimento feminista é importante. Para que as mulheres saibam, cada vez mais cedo, quais são seus direitos. Se martirizem menos, degustem mais da vida. Da sexualidade. Do prazer. De seu potencial. Sem ficarem intimidadas.
Obrigada, Melanie.
Obrigada por ser resistência.
Obrigada por acreditar em uma sociedade melhor e lutar por ela.
Apenas continue.
Eu vou continuar aqui.
Nossa contribuição pode ainda parecer insignificante agora. Mas quem sabe, aos pouquinhos, a gente vai mudando o mundo.