“Coringa” me fez sentir compaixão pelos desafios que enfrentamos em uma sociedade doentia

*Aviso: contém muitos SPOILERS!

Foto: Reprodução/Site A Crítica

Vamos lá: eu não fui ver “Coringa” no cinema com o intuito de escrever um texto aqui. A verdade é que eu achei o longa simplesmente tão agoniante que senti necessidade de elaborar algo através das palavras. Só para exorcizar um pouco do mal-estar que experimentei me contorcendo na cadeira do cinema.

Se você ainda não assistiu, portanto, meu primeiro alerta é: vá bem preparado(a) para duas horas de ininterrupta agonia cena após cena. Joaquin Phoenix passa, literalmente, o filme inteiro apanhando. E não só no sentido literal, mas também psicológico, claro. 

Os trejeitos ansiolíticos do ator – cuja interpretação é realmente digna do Oscar – a forma como ele traga o cigarro como quem parece incapaz de engolir a vida, a magreza insalubre, o olhar incompreendido. Tudo isso já promove um desconforto extremo.

Mesmo em se tratando de um psicopata (seus atos são injustificáveis, claro), ainda assim qualquer espectador com o mínimo de empatia sente-se mal por ele. Mas a atmosfera pesada, em minha opinião, não é ocasionada apenas pela trajetória do protagonista.

O grande trunfo do filme é mostrar que, quando uma sociedade é doentia e gananciosa, o sofrimento afeta todos os seus cidadãos – ricos, classe média, pobres. Todos.

Topa aprofundar o raciocínio?

Em Coringa, todo mundo está enfrentando uma batalha

Ao rememorar algumas cenas do longa, hoje percebo que o sentimento despertado em mim foi o de compaixão. Por exemplo: quando Arthur dialoga com sua terapeuta, esta parece desinteressada e distante. E, ao fim, anuncia que a prefeitura vai cortar os serviços de atendimento público na área da saúde mental. Ou seja: ele ficará sem seus remédios. 

Parece fácil culpá-la, mas a verdade é que ela também é peça do sistema. O que poderia fazer? Nesse ponto, já é válido questionar: se ele tivesse continuado com os remédios, será que tragédias subsequentes poderiam ter sido evitadas? 

Corta para a cena em que ele comete seu primeiro ato de violência. No metrô, três homens de perfil classe média (subindo na “escada social”), bêbados, tentam estuprar uma menina. 

Mais uma vez, enxerguei ali cinco vítimas: os meninos entorpecidos pelo álcool (provavelmente cheios de problemas do trabalho na cabeça); a personagem que, se não fosse a intervenção do “palhaço”, provavelmente seria violentada e teria um trauma para lidar pelo resto da vida e, claro, o próprio Coringa, que ganha mais alguns hematomas.

Já o gran finale é a cena em que Gotham implode em uma confusão anarquista e vemos como os pais de Bruce Wayne são assassinados. Na saída de um elegante teatro, uma pessoa qualquer aponta a arma para o casal e diz “você vai pagar, Wayne” (ou algo do tipo).

A cena termina com a mesma passagem que vemos nos filmes do Batman. A criança ali desamparada, órfã, passando pelo trauma de ver pai e mãe assassinados em sua frente. Na verdade, trata-se de mais uma vítima do sistema. 

Onde quero chegar? Bem, Coringa é uma crítica social que, embora forçada em alguns pontos para “reforçar a mensagem” que deseja transmitir, é extremamente necessária. Por coincidência, até no momento vivido pelo Brasil. 

Será que com a estrutura de país que temos e os índices cada vez mais elevados de desigualdade, seria prudente as pessoas andarem armadas? Eu creio fortemente que não. 

E reforço: não se trata de uma posição partidária. É só observar a violência das pessoas no trânsito. Em um sistema violento, onde todos ocupam eventualmente o papel de vítimas dele, a violência gera mais violência.

E será que ser gentil em uma sociedade carrasca vale a pena?

É impossível também ver o filme sem pensar: “por que todas as pessoas são tão cruéis com o personagem o tempo todo?”. Bem, é o que o sistema faz. Quando todos estão lidando com as suas merdas (desculpa o palavrão), como partes intrínsecas de uma sociedade doente, parece que ninguém se preocupa em ser gentil. Seria pedir demais.

Você certamente já enfrentou – ou enfrenta – situações em que as pessoas são maldosas. No transporte público, no trabalho, na faculdade. Só que, muitas vezes, temos que pensar que elas são assim porque também alguém lhes tratou da mesma forma. É um ciclo de violência contínuo. É o modo sobrevivência. Matar ou morrer.

Só que é triste ter que viver em um mundo assim, não é? Eu gosto de uma dessas frases de internet que diz assim: “seja gentil com todos que encontrar, você nunca sabe o que aquela pessoa está enfrentando”. Imagina se as pessoas colocassem isso em prática?

Não sei dizer quantas vezes já ouvi que, no mundo capitalista, se você for “bonzinho demais vai se ferrar”. Bem, ser gentil não é o mesmo que ser conivente com maus-tratos. Saber dizer não e ter amor-próprio é fundamental.

Em outras palavras, sim, é preciso estar atento, para que as pessoas não lhe passem a perna. Mas também não precisamos sempre desconfiar de tudo e todos, nos tornarmos amargos, sarcásticos e maldosos.

Eu escolho tentar ser gentil todos os dias e, depois desse filme, vou tentar ainda mais. Porque se queremos menos violência e mais amor – em todas as esferas sociais – precisamos começar com nossas atitudes em relação aos outros. É o primeiro passo.

Não importa em que degrau do sistema você está hoje. Se não contribuir para torná-lo um pouco menos cruel, injusto, desigual e violento, um dia a violência também chegará em você. De alguma forma.

Vamos ser mais gentis uns com os outros?

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