Meu ego estava me matando. A estrada ajudou a me salvar.

Eu só precisava ser livre

Quando tatuei a palavra “free” (“livre”), na lateral do meu pulso direito no ano de 2018, ainda nem tinha dimensão de como seu significado se desdobraria na minha vida. Sempre desejei ser livre. Isso é um fato incontestável sobre mim. Na época, porém, era muito mais sobre o trabalho.

Marquei isso na pele porque finalmente sentia que estava na direção do meu sonho de vida: dentro de alguns meses, pediria demissão da CLT e me tornaria a empresária autônoma que sempre tinha desejado ser. O mais empolgante de tudo? Começaria meu projeto de ser nômade digital.

O engraçado é que, naquele ponto, eu já me sentia até bem “satisfeita” com a minha vida. Trabalhava 6h em uma agência de Marketing Digital (curtia mesmo o que eu fazia), tinha ótimos clientes também como freelancer e, no fim do mês, uma soma “boa” de salário – considerando a realidade do Brasil.

Aparentemente, tudo perfeito, né? O que nem percebia com tanta clareza na época é que essa rotina tinha um custo emocional grande. Quando me dei conta, já não tomava mais café da manhã, malhava 6x por semana (para aliviar uma ansiedade oculta) e comecei a ter algumas questões de saúde, como alterações menstruais.

Aliás: se você for mulher, fique atenta. Alterações no seu ciclo podem ser fortes indícios de desequilíbrios. Resumo da ópera: cheguei a pesar 56kg para meus 1,68m de altura. Mas, para mim – e para a sociedade – estava tudo bem. Afinal, eu era magra, produtiva e ainda “bem sucedida”, não é?

Estava apenas dando tudo de mim para ser aquilo que as pessoas esperam de uma mulher: perfeita. E aí começou o nomadismo. Ele seria o ápice da realização do meu ego. 

A agonia do ego ao sair da bolha

Mas, ao contrário da glamourização que aparece em alguns perfis de redes sociais, descobri que viajar e trabalhar na verdade pode ser um enorme golpe ao nosso “falso eu” nos bastidores. Por quê? Porque você começa a perceber que, aí fora no mundo, você não tem tanta importância quanto na sua família ou no seu trabalho “fixo”.

Você realmente percebe que é ignorante. Que sabe, de fato, MUITO pouco sobre outras culturas, idiomas, formas de vida. É como ser criança novamente. Aliás, em uma das minhas andanças no ano passado, me deparei com uma frase de Pablo Neruda em uma livraria, que dizia assim:

“Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente encontrarás a ti mesmo. E essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas.”

Esses dias chegaram para mim com o trabalho remoto e o nomadismo. Comecei a me ver obrigada a olhar de frente para aquele meu ego que insistia em me definir exclusivamente pelo meu sucesso profissional, minha aparência ou minha conta bancária. Na estrada, há coisas maiores em jogo. Você tem que se virar.

Vai ficar em um Airbnb ou na casa de alguém? Terá que aprender a limpar, dormir em outra cama, lavar louça, limpar banheiro. Só isso já traz uma dimensão mais apurada da realidade. A importância do trabalho dos outros que, quando estamos presos somente em nosso mundinho, muitas vezes não reparamos.

A verdadeira libertação

Ontem, assistindo um filme do Gandhi, algo me inspirou a escrever este texto. Em uma determinada cena, ele pede que sua mulher limpe uma latrina. A princípio, ela se recusa – depois cede. 

A essência do gesto era demonstrar justamente isto: não nos definimos exclusivamente pelas funções que executamos, mas pelas pessoas que somos. E nosso ego detesta isso, porque ele adora se apegar em personagens. Ama se sentir importante.

Embora não seja profissional da saúde mental, acredito que não é por acaso o sofrimento de muitas pessoas trabalhando em casa devido ao Coronavírus. O ego sente essa porrada. Pode acontecer de você perceber que não é o rei ou a rainha do pedaço que era lá no escritório. Mas, acredite: sentir isso é parte de um processo de cura.

A frase de Neruda, em minha concepção, diz respeito a essa percepção. Dissolver o ego para, então, olharmos de frente para nós mesmos de novo. Esse é o verdadeiro encontro com a essência. Assustador, a princípio, mas libertador em seguida.

Hoje, a palavra “free” no meu braço tem um sentido diferente. Não almejo necessariamente uma liberdade geográfica (embora isso ainda seja importante para mim). Quero, na verdade, me libertar cada vez mais desse ego que me aprisiona. Posso fazer isso viajando, ou dentro de casa, refletindo, lendo, escrevendo, meditando.

O processo é longo, não acontece de um dia para o outro. Mas tenho certeza, cada vez mais, de que esse é o caminho para uma vida mais plena.

Se você é nômade, me conta se passou por algum processo semelhante? Ou, se está na carreira corporativa, compartilha se em algum momento seu ego já começou a te consumir por inteiro e como você lida com isso? Adoraria saber!




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