Decidir. Eis uma imposição que a vida sempre nos apresenta. Cada um de nós, todos os dias, se percebe diante da necessidade de tomar decisões – algumas de maior importância, outras nem tanto. No contexto do trabalho remoto, porém, a percepção acerca da relevância de fazermos escolhas inteligentes se acentua ainda mais.
De certa forma, foi isso que percebi no decorrer da minha jornada de quase um ano e meio trabalhando exclusivamente como produtora de conteúdo freelancer. Ocorre que, quando nossa casa também se torna nosso escritório, é inevitável que a vida profissional se misture um pouco mais com a vida pessoal.
Em outras palavras, torna-se mais fácil identificar que suas decisões profissionais terão um impacto muito forte na qualidade do seu dia como um todo, bem como na sua própria sanidade mental. Especialmente agora, em um período de tantas incertezas.
Topa aprofundar um pouco mais a reflexão?
Não meça o valor do seu trabalho apenas pelo dinheiro, mas pelo impacto em sua saúde
Se você trabalha como freelancer, provavelmente se depara diariamente com questionamentos do tipo “será que estou precificando bem o meu trabalho?”, ou “será que eu deveria trabalhar mais, ou menos?”. Sei bem como é. Desde que optei por esse modelo de trabalho, essas são questões constantes em minha vida.
Mas vejo que até mesmo quem ainda está no modelo CLT, neste momento de home office, pode encontrar certos dilemas na rotina diária. “Será que devo fazer uma pausa no trabalho agora?”, “reservo um tempinho para me exercitar, ou dou conta de toda essa demanda de uma vez?”
Em ambos os contextos, são questões que nos levam a tomar decisões. Estas, nem sempre fáceis. Por isso, penso ser este momento de pandemia o timing perfeito para observarmos mais atentamente a forma como trabalhamos, nosso nível de exigência e cobrança interna.
Principalmente porque, trabalhando em casa, qualquer tendência workaholic fica mais evidente. Você pode se perceber pulando uma refeição, trabalhando até muito tarde, ou observando seus níveis de ansiedade chegarem às alturas.
No trabalho remoto, sentimo-nos mais livres, por um lado. Mas é preciso cuidado, uma vez que a sociedade de desempenho embutiu em nosso inconsciente a ideia de que para sermos “vencedores” precisamos trabalhar incansavelmente, sem nenhum descanso. Até atingirmos a ideia de um certo “eu-ideal-bem-sucedido” completamente ilusório.
Acho brilhante a forma como o filósofo Byung-Chul Han descreve esse processo no livro “Sociedade do Cansaço”.
“Frente ao eu-ideal, o eu real aparece como fracassado. O eu trava uma guerra consigo mesmo. Nessa guerra não pode haver nenhum vencedor, pois a vitória acaba com a morte do vencedor. O sujeito do desempenho se destrói na vitória. (…) É assim que doenças psíquicas como burnout ou depressão, enfermidades centrais do século 21, apresentam todas elas um traço altamente agressivo a si mesmo. A gente faz violência a si mesmo e explora a si mesmo. Em lugar na violência causada por um fator externo, entra a violência autogerada, que é ainda mais fatal, pois a vítima acredita ser alguém livre”.
Passei por várias fases desses processos mencionados por ele – e até hoje ainda caio em armadilhas de vez em quando. Mas é justamente por isso que, atualmente, antes de abraçar um trabalho ou projeto, não penso apenas na precificação em termos de execução. Avalio o custo emocional que haverá para mim em atender tal demanda.
Às vezes, não há preço que pague.
Em tempos de Coronavírus, nenhum trabalho vale a sua saúde física e emocional
Diante de todo o contexto que acabei de mencionar, confesso que me espanta também a forma como algumas pessoas estão simplesmente “vivendo a vida normal” no meio de uma pandemia mundial. Na esfera digital, principalmente, observei que há até mesmo um certo aumento de demanda e aceleração de processos.
Claro que aqui falo somente por mim, do meu ponto de vista. Mas acho válido compartilhar que, nas últimas semanas, cheguei a recusar trabalhos justamente pelo custo emocional que teria ao assumir novos projetos em meio a um contexto de caos social. Para você, talvez pareça loucura ir na contramão e decidir trabalhar menos em um cenário econômico delicado.
Porém, hoje compreendo que o preço da minha ansiedade, somada à ansiedade externa do mundo, seria elevado demais. Não há como precificar minha saúde mental neste momento. Aliás, aproveito aqui o gancho para compartilhar novamente algo bem pessoal.
Tive um caso de Coronavírus dentro da minha família. Sabe quando as estatísticas ganham contornos físicos reais? Pois é. Meus familiares se recuperaram, mas um amigo que havia viajado com eles faleceu, infelizmente. A proximidade dos acontecimentos, assim, torna toda a questão ainda mais tangível para mim.
Mais uma vez, a vida me escancarou: a morte é a única certeza que temos. Foi por esse motivo que tomei ainda outra decisão ousada: abandonar alguns projetos pelos quais tinha enorme carinho, simplesmente para ficar mais offline, trabalhar no livro que quero lançar, ter mais tempo dedicado a mim mesma.
Pretendo fazer uma espécie de quarentena sabática. Como minimalista que sou, vivendo com menos, gastando muito menos e, por consequência, trabalhando menos. Porque é fato: as pessoas estão morrendo. O mundo que eu conhecia até então mudou. E preciso de tempo para respirar e focar na minha saúde.
Essa é a minha decisão agora. Sei que cada um tem a sua história. Mas sinto que, de alguma forma, preciso externalizar este sentimento: lembre-se, por favor, de que neste momento da história a sua saúde é mais importante que qualquer dinheiro, trabalho, ou qualquer outra demanda que aparente ser prioritária.
Cuide-se. Pegue sol em casa, se possível. Respire, medite. Ouça música. Evite a tendência de se esconder da realidade e do Coronavírus afundando em mais trabalho. Permita-se desligar e ame-se mais.
Como disse o filósofo Clóvis de Barros Filho: a vida hoje vale mais.