Foto: Youtube, Reprodução
Querida Audrey,
Há algo em seu olhar. Sempre reparei. Um certo brilho, uma serenidade que emana compreensão. Talvez seja por isso que coloquei um quadro seu no meu quarto.
É reconfortante escrever diante da visão de alguém que vibra luminosidade. Mas devo confessar: foi só realmente agora, neste período de isolamento social, que mergulhei um pouco mais profundamente em sua história.
Sua beleza foi realmente forjada na dor, não foi? Foi chocante descobrir, por exemplo, que durante a II Guerra Mundial, na Holanda, você teve de se alimentar de farinha de caule de tulipas para sobreviver.
Sofreu com a desnutrição extrema. Viu a capacidade da maldade humana em seu ápice.
Me pergunto: será que foi justamente vivenciar na pele o auge da miséria que a tornou uma mulher posteriormente tão conhecida pela infinita bondade, defensora dos Direitos Humanos?
Às vezes me parece que a vida encontra caminhos estranhos para nos purificar por meio da dor. Talvez a empatia realmente só seja possível depois do sofrimento. Mas ninguém quer sofrer, não é?
No ano de 2020, parece-me que somos todos viciados em anestésicos. Obcecados por conforto. A televisão. O celular. A Netflix. As compras. A comida e a bebida. Queremos sempre tudo do melhor. Perdemos o apreço pelo simples.
Não temos mais dimensão do que é sobreviver à base de farinha de tulipas – nos desconectamos do sofrimento daqueles que têm menos que nós. Conto nos dedos as pessoas que conheço ainda capazes de sentir compaixão pelo próximo, contemplar a natureza, a arte, a música.
Seres humanos quem encontram prazer nas pequenas sincronicidades da vida são cada vez mais raros. Quem ainda se emociona diante de uma flor?
Acontece que contemplar exige tempo – e coragem para olhar o vazio, que traz consigo memórias nem sempre agradáveis. Mas, por mais que pareça paradoxal, suprimir o sofrimento é ainda pior.
Anestesiar-se constantemente é uma forma de morte em câmera lenta. De vez em quando é necessário chorar, deixar doer, contemplar a agonia. Minha e do outro. Faz parte da condição humana.
É um processo estranho. Se abrir para a dor é o primeiro passo para lidar melhor com ela.
Você, Audrey, transformou a dor em bondade, gentileza. Penso que essa é a maior metamorfose pela qual uma mulher pode passar. Talvez daí venha sua aparência diáfana: límpida, translúcida, permitindo a passagem da luz.
Obrigada por me inspirar a, de alguma forma, ressignificar também minhas próprias dores e complexidades. Espero ser capaz também de me tornar um espectro de luz neste momento que a humanidade precisa tanto.
Um abraço,
Rafaela
Rafaela, agradeço por conhecer um pouco sobre homenageada atriz que, apesar de muito reconhecimento por seu trabalho, tudo indica que sua maior obra foi a arte de ser uma pessoa humana composta por bondade.
Refletindo sobre a empatia e a dor, penso, realmente, que a dor pode causar um impacto grande no ser humano, por mais que devamos buscar a empatia nas relações. Passar e sentir o mesmo que o outro nos faz olhá-lo com caridade, como se estivéssemos olhando para nós mesmos.
“Anestesiar-se constantemente é uma forma de morte em câmera lenta.” Isso é muito forte. E se de fato seu efeito chegar fundo na mente e no coração de quem o lê, é como um balde de água fria. Ou você acorda, ou acorda!
Obrigada pela linda escrita. Um abraço!
Renata! Gratidão pelos comentários tão lindos. <3
Estamos todos juntos no mesmo barco, no mesmo processo de autoconhecimento. Às vezes penso que o que a vida quer mesmo é que a gente evolua constantemente em direção ao que realmente estamos aqui para realizar, cada um na sua dimensão. Isso nem sempre é fácil. Mas ouvir o coração sempre ajuda e também reduz a sensação de sofrimento. É sobre encontrar um caminho e segui-lo, ainda que às vezes doa.
É sempre gratificante ler que minhas palavras causaram impacto na vida de alguém. Portanto, muito, muuuito obrigada por tirar um tempinho do seu dia para me escrever esse feedback.
Um grande abraço,
Rafa