Foto: Youtube, Reprodução
Querido Emicida,
É raro encontrar pessoas que transparecem lucidez em tempos tão confusos quanto os que vivemos. Daí que senti necessidade de te escrever porque, cara, tu realmente encontrou um lugar de clareza que transparece em cada linha do álbum “AmarElo”.
Ao escutá-lo, me senti compreendida de uma forma inexplicável por meio de singelas palavras. E olha que me dizem que sou boa com elas. Tua música não é só música, é poesia – faz chorar, rir, sangrar, recomeçar.
A mágica está até nos detalhes que aparecem sutilmente por detrás de cada canção – o chocalho da tua filha, as vozes das crianças. É lindo de ouvir e experienciar a escuta.
Particularmente, penso que a vida é realmente um enorme mistério e todos nós, como tu certa vez já cantou também, somos “tipo passarinhos soltos a voar, dispostos a achar um ninho, nem que seja no peito um do outro”.
Corta para 2020 e isso se torna ainda mais evidente, assim como o “tudo que nós têm é nós”. Frase que até pode parecer bobinha à primeira vista, mas que carrega tanto, tanto, tanto significado.
A meu ver, ela engloba toda uma filosofia milenar indiana (agora sei que tu conhece Ayurveda também), a ideia de amar o outro, sem esquecer de se amar, observar como cuidamos da nossa energia, alimentação, corpo e alma.
Não é sobre se alienar do sofrimento alheio. Mas sobre se preservar também.
É difícil às vezes. A própria dor do mundo nos pesa, a gente quer lutar, brigar pela liberdade, falar pelo outro. Mas será que “luta” é mesmo um caminho para derrubar a ignorância, quando o ignorante é justamente aquele que jamais escuta o que temos a dizer e se recusa a mudar?
Sabe, tô lendo “Os Miseráveis”. E Victor Hugo tá me ensinando uma coisa foda. Os tiranos SEMPRE estiveram aí fazendo suas tiranias. Muito antes deste 2020. Mas eles também SEMPRE passam. Sábio mesmo é a gente lembrar que precisa ter tempo e espaço para se cuidar.
Senão, todo esse ódio também vai nos corroer. E dói meu coração ver tanta gente revolucionária que no fim não aguenta o peso do mundo e cai na droga, na vertigem, na fuga.
Já aconteceu com tantas pessoas lindas e sensíveis. Tantos artistas já perdemos. Kurt. Chorão. Amy. Marilyn. Sem falar nas pessoas “comuns”, nas vidas tiradas diariamente pelo peso da nossa cultura machista, patriarcal, racista, preconceituosa e doentia.
A vida às vezes é foda. Mas fugir também não é a resposta.
Penso que tu, certamente, tem uma história que te permitiu entender isso. “O abutre quer te ver drogado, pra dizer: ‘ó, não falei?’. Beleza, mas qual a solução, então?
Sei lá. Quem sou eu pra dizer? Mas acho que nossa resistência precisa ser pautada pelo amor. O caminho deve ser por aí. Música. O riso das crianças. Yoga. Brincadeiras. Leveza. Amizades.
Sinto em algum lugar que os caminhos já estão se abrindo para isso. Particularmente, sempre enxergo uma luz no fim do túnel, porque eu mesma – apesar de tudo e todos – nunca deixei de acreditar no amor.
E amar, como tu bem disse, é um elo. Muito mais forte que o ódio.
Obrigada por partilhar essa lucidez com o mundo.
Um abraço,
Rafaela
Rafaela, aprendi a gostar do Emicida. É um cara realmente muito esclarecido e que representa a voz de tantas pessoas. Sua música é música com poesia sem deixar de ser presença, resistência e existência.
A vida realmente às vezes é foda. Mas também não acho que fugir seja a resposta. Só nem sempre sei qual é essa resposta, rs.
Talvez olhar para dentro antes de olhar para fora seja o primeiro e melhor passo. Então, continuo buscando a tal resposta, rs.
Obrigada por sua linda escrita!
Um beijão!
Oi, Renata! 🙂
Feliz de te ver por aqui novamente. Obrigada por tirar um tempinho para me escrever esse feedback.
Também me familiarizei mais com o trabalho do Emicida neste ano e realmente me tocou muito a profundidade do novo álbum dele. Tem embalado vários dias de quarentena aqui em casa, elevando as energias.
Legal saber que você tem uma visão parecida com a minha e concordamos também neste ponto: olhar para dentro antes de olhar para fora é um ótimo caminho quando nos deparamos com os dilemas da vida. A gente busca muito fora algo que só pode encontrar dentro.
Às vezes é complicado, mas daí penso que a saída é retornar mesmo à música, às amizades, à natureza. Há algo de mágico nesses aspectos da existência.
Obrigada pelo retorno e um bom restinho de semana para você,
Rafa.