se você conseguir
permanecer com
uma alma leve e gentil
mesmo diante
das opressões diárias
poderá até mesmo
transcender essa loucura
que criamos e chamamos
de capitalismo
, hora de despertar
quem foi que me convenceu
de que meu corpo é feio?
de que não são suficiente?
de que sou insignificante?
de que meu intelecto é menos
válido que minha aparência
quem foi que me convenceu
de que sou menos
só por ser mulher?
, curas subjetivas
a arte
atravessa oceanos
transpõe o próprio tempo
e toca o coração
de cada pessoa
com profundidades
que a mente
mal é capaz
de compreender
, o amor não mata
sim, sou feminista
não, não odeio homens
eu os amo profundamente
o que realmente abomino
é a masculinidade tóxica
que emburrece, adoece
aliena e mata
as minhas irmãs
mata – do verbo matar
– paz
ninguém nos conta isso
mas ‘Deus’ está sempre
pertinho de nós
experimente apenas
desligar as luzes um pouco
e mergulhar naquela
sua música favorita
ele – ou ela – te espera ali.
– como eu quebro
não sei me doar
em pequenos pedaços
quando me entrego
faço-o inteira
a questão é que assim
às vezes não sobra
nenhuma parte
para mim mesma.
É sábio buscar um momento de silêncio (principalmente se você é mulher)
Foto: Jazmin Quaynor, Unsplash
Às vezes reflito sobre o quão enigmática é a experiência de viver em um mundo moderno repleto de tantas possibilidades. Hoje acessamos infinitos por meio de um simples dispositivo que cabe em nossas mãos. O capitalismo – em sua infindável expansão – nos oferece cada vez mais.
As redes sociais reúnem entretenimento, lazer, socialização, possibilidade de engajamento em causas políticas. De um vídeo no Youtube pulamos ao feed do Instagram ou do Twitter. Mergulhamos em conversas pelo WhatsApp, participamos de reuniões pelo Zoom ou Google Meet.
Sempre há algo a se fazer. Se qualquer vazio interior espreitar, temos alguma distração disponível. Parece o paraíso. Mas às vezes me pego refletindo sobre o perigo dessa facilidade de abrirmos mão de um momento de silêncio e nos afastarmos de nós mesmas.
Se os algoritmos procuram adivinhar do que gostamos, para onde queremos ir e o que queremos comprar, onde fica nosso poder de decisão? Quando paramos para pensar sobre quem está por trás da tela?
Nós raramente o fazemos.
O que nos faz sofrer é nossa própria ausência
Ter lido o livro de Harari “21 Lições para o Século 21” foi um dos turning points que me fez refletir mais sobre a questão de estar “presente em mim”. À época, instigada pelo historiador, passava a divagar acerca dos perigos de terceirizar todas as decisões à tecnologia. Afinal, se por um lado isso traz praticidade, por outro facilita a alienação.
O ser humano parece já ter a tendência de fugir de si. Afinal, olhar para o externo e se distrair pode ser menos doloroso e trabalhoso do que fazer um trabalho interno. Encarar de frente os erros e acertos, as evoluções pessoais e os retrocessos, viver de verdade – com intensidade. Isso exige trabalho, entrega, confiança.
Hoje enxergo a questão com ainda mais seriedade e profundidade, fazendo até mesmo um recorte de gênero – algo inevitável enquanto mergulho na leitura de “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir.
Para nós, mulheres, é ainda mais fácil perdermos de vista o que é real e verdadeiramente importante, nos deixarmos levar. Temos a tendência, por nossa criação, de sermos mais ingênuas (pensar que homens ou outras pessoas, no geral, sabem o que é melhor para nós) e a criarmos fugas diante de uma realidade que nos oprime.
“A menina não pode encarnar-se em nenhuma parte de si mesma. (…) À mulher, ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar sua autonomia” – Simone de Beauvoir
Em termos mais simples: para sobreviver em uma sociedade patriarcal e machista, toda mulher sente um ímpeto ainda mais forte de se anestesiar da realidade com distrações. O pior é que isso nos deixa ainda mais vulneráveis em um mundo que não nos quer poderosas e exercendo nossa voz.
Percebe, então, o quanto isso é problemático? Para anestesiar a dor, fugimos para distrações, só para descobrir às vezes uma opressão ainda maior – comparando nossos corpos no Instagram com o de outras mulheres e, muitas vezes, caindo em uma espiral de vertigem e perda de tempo com vídeos e imagens que não nos levam realmente adiante em nossos mais autênticos objetivos de vida.
Aqueles que, possivelmente, nos libertariam intelectual, emocional e financeiramente.
O silêncio dimensiona a realidade e traz as melhores respostas
Diante de tais percepções, penso que na era em que vivemos buscar o silêncio é algo que toda mulher deve fazer. Sei que é complexo diante dos turnos de trabalho e exigências da família, casa, filhos, além das demandas de cuidados com a beleza e o caos tecnológico.
Mas todo esse caldo torna precisamente a prioridade de silenciar ainda mais importante. Porque, sinceramente: ninguém vai oferecer o silêncio contemplativo a você.
O mundo está cada vez mais rápido, veloz e barulhento. No contexto patriarcal, é bem provável que o “tom” desse barulho esteja lhe machucando ainda mais profundamente, com propagandas que insistem em reforçar seus pontos negativos, ao invés de qualidades.
O “timbre” da realidade contemporânea vai dizer que você não é bonita o suficiente, ou não é competente, ou que deveria “comprar” tal coisa para se tornar “perfeita” – algo que você, por essência, já é – ou seja…que não pode ser barganhado como propõe a mensagem de um mundo baseado em compra e venda.
E, veja bem: quando você cai nessa espiral de confusão e barulho, pode começar a procurar respostas nos lugares errados. Nem sempre a Igreja, um padre, uma religião, um coach, ou um influenciador digital vai ser capaz de dar um direcionamento à sua vida (pode duvidar até mesmo do que eu escrevo à vontade, viu?).
O ponto é: tudo isso pode até lhe orientar, mas só até certo ponto. Com a filosofia de Yoga, aprendi que o silêncio nos empodera.
Que há respostas que você só pode encontrar para si mesma ali. É na paz que brota do contato com a parte mais interna que lhe habita que os insights mais poderosos vão surgir. Mas você precisa exigir esse espaço de silêncio.
Faça um pacto consigo mesma e permita-se a quietude. Seja meditando, ouvindo uma música, desenhando ou criando algo da maneira que preferir. Porque, como também disse a própria Beauvoir:
“Criar é fazer rebentar no seio da unidade temporal um presente irredutível”.
E estar em um presente irredutível é a verdadeira forma de paz. Em um mundo de respostas fáceis e prontas, só você mesma pode encontrar as suas.
– nós podemos brilhar
o que me move adiante
é sentir que por trás
de toda a dúvida
de todo o medo
de toda a tristeza
há uma luz que brilha
e não se apaga nunca
se eu apenas fizer
um pacto comigo mesma
de mantê-la acesa.
– o que nos destrói
eu não teria nenhum problema
com os padrões de beleza
se eles não estivessem
basicamente nos matando
dói meu coração quando vejo
mulheres irmãs absolutamente lindas
se sentindo tristes e feias
maltratando seus corpos
como se fossem coisas
apenas para exibi-los
a olhares maldosos que julgam
caso você já tenha se odiado
em algum momento deste dia
eu te peço, por favor,
ame-se e liberte-se
você é bonita porque a beleza
só pode vir de dentro
quem quer que venda o oposto
é que está mentindo.
A delicadeza da serenidade resoluta
Durante a pandemia, eu a vi dia sim, dia não, subindo a pé a íngreme lomba no topo da qual fica a minha casa – e a dela, a cerca de uma quadra de distância. Em um dia, trabalha fora, cuidando de idosos em um lar, noutro fica em casa. Limpa, lava roupa, cozinha, debulha o milho.
Ela tem o tronco um pouco curvado, mas não muito. Percebo em seu olhar que não se deixa curvar. É resoluta. Mas sem perder a doçura.
Além de resoluta, também é habilidosa com a costura. No decorrer do isolamento, comprei um tecido e levei para ela. Costurou um lindo avental para mim – um marco de minhas primeiras aventuras culinárias no isolamento.
Certa sexta-feira, depois do trabalho pesado – ela no lar, o marido no campo – vi o casal tomando uma cerveja. Instante merecido de tranquilidade e desprendimento. Os filhos jovens, próximos da pré-adolescência, brincavam por perto com suas bicicletas. Durante a pandemia, só conseguiram acompanhar as aulas da escola pelo celular.
De vez em quando, reflito sobre a vida dessa minha vizinha querida. Penso na dimensão dela e na minha. Ao observá-la, imagino que por vezes reclamo demais por coisas bobas…
Mas penso também sobre o que aconteceria caso ela pensasse sobre transpor sua condição. Transgredir a rotina. Talvez não precise mesmo disso, no fim das contas.
Sem ao menos saber, minha vizinha me mostrou que quando enxergamos algum senso de propósito no que fazemos e não brigamos com o mundo, a vida pode ser de uma leve e belíssima serenidade. Uma simples sutileza. Independentemente de quanto dinheiro se tem – ou não.
Quem sabe eu é que seja questionadora demais para usufruir desse nível de contentamento. Afrontar o “status quo” pré-estabelecido para as mulheres é parte de quem sou, da minha essência enquanto existência.
Só que agora, quando tudo isso fica pesado demais, lembro da minha vizinha. Sua serenidade obstinada me inspira a não levar tudo tão a sério.
Por isso, agradeço. Sem querer, o contraste entre nossos mundos – próximos e tão distantes – me possibilitou uma visão mais ampla.
Essa é a beleza dos encontros. “Seu olhar melhora o meu” – a verdade proferida por Arnaldo Antunes sempre é possível, se nos permitirmos vivenciá-la.
Durante a pandemia, nosso encontro me possibilitou exatamente isso.