a beleza do desespero.

o meu choro
é o de quem sente
tudo está no ser
o êxtase e a dor
o ganho e a perda
a vida e a morte
eu vivo em mim e sinto tudo
percebo ciclos
identifico padrões
e, acima de tudo, sigo
talvez até as lágrimas me enfeitem
deixem meu rosto molhado
pela essência da verdade
a crueza de sentir
que nunca pede licença
simplesmente transborda
mas ainda me faz ter certeza
de que mesmo na confusão
vivo, respiro
e estou aqui.

como nasce a empatia.

diariamente
quando o amor cresce
dentro de mim
e também por mim
cada vez mais
sou capaz de compreender
perdoar, entender e amar
também as outras pessoas.

Distopia ao inverso

menina olhando pela janela de um carro

Desperto tranquila, pois a vida não me pesa sobre os ombros. Ela tem tons leves, sem estresse financeiro ou emocional em excesso. Preciso dar conta das demandas do trabalho, claro, mas agora pelo menos sou remunerada pelo tempo despendido nas tarefas domésticas.

Além disso, não fico ansiosa pela obrigação de estar sempre bela. Não existe mais “padrão de beleza”. Assim, nós também paramos de nos comparar umas às outras e de fofocar pelas costas.

Quando o vizinho estaciona seu carrão na garagem, isso não me irrita. Afinal, nossos salários são equivalentes. Só não tenho o “carrão” porque prefiro viajar o mundo com o que ganho – um valor justo, digno e merecido.

Explorar os continentes como viajante mulher “solo”, aliás, tampouco me amedronta. Com a equidade salarial, o maior respeito à Natureza e a igualdade entre os sexos, a violência contra a mulher é praticamente inexistente.

Não tenho frio na barriga, temor de andar pela rua e ser estuprada. Aliás, os homens estão mais gentis por todos os lados. Eles deixaram aflorar seu lado feminino, pararam de brigar com ele, agora são mais empáticos, amorosos e gentis. 

Quando ando de bicicleta pelas ruas, observo as casas e me alegro. Não vejo só mulheres debruçadas sobre janelas e calçadas esfregando o chão. Às vezes são elas, às vezes são eles. E também há mais famílias com variadas composições (não há mais nenhum tipo de preconceito contra gays, lésbicas e a comunidade LGBTQI+).

Sobretudo, há uma vibração de respeito e afeto por todos os lados. O patriarcado parece ter ruído, os líderes fanáticos religiosos se foram e a nova lei sobre a terra é o amor. 

Poderia ser tudo verdade, como um voo em direção ao futuro utópico das mulheres e dos homens no planeta. Sou capaz de contemplá-lo, embora a realidade ainda esteja distante.

Não creio ser impossível e é por isso que escrevo, resisto e luto. Amparada pelas que vieram antes de mim e com a certeza de que, se não chegarmos a esse lugar ideal, pelo menos chegaremos a um lugar melhor, mais lúcido.

Espero que outras e outros acreditem comigo.

Onde estão tuas raízes?

Enraizar-se é um processo complexo dentro de uma sociedade que nos puxa para mil diferentes direções.

Confusos e cansados, começamos a criar raízes externas. Por meio de relacionamentos, posses, cargos profissionais. Nossos papéis moldam quem somos.

Mas isso não significa necessariamente ter raízes sólidas de verdade. Se tudo isso simplesmente sumisse, quem seria você? O que você seria sem seu emprego? Sem seu parceiro(a)? Sem sua casa?

Tudo isso um dia poderia sumir. Pode sumir até mesmo hoje – você não tem como saber. Não é possível evitar que tudo lhe seja tirado, por mais “seguros” que você tenha. E, então, o que restaria?

O equívoco não é enraizar-se em um papel. Mas esquecer que, antes de mais nada, é preciso estar bem enraizado em si mesmo.

Afinal, para onde quer que você vá, sozinho ou acompanhado, com ou sem dinheiro, com ou sem posses…lá estará você.

A gente gosta de tentar fugir, mas como Neruda certa vez colocou: em algum momento, inevitavelmente, encontraremos a nós mesmos. E esse poderá ser o mais feliz ou amargo encontro das nossas vidas.

Melhor é tentar, em doses homeopáticas, encontrar um pouquinho se si a cada dia.

quem te olha e vê?

algo em mim mudou
desde aquela primeira
troca de olhares
quando ela enxergou
algo além da superfície
e mergulhou no oceano inteiro
ela me olhou
mas foi mais que isso
ela realmente me viu
e ser vista muda tudo.

Carta anônima

imagem da sombra de uma mulher com flores na mão

Se gostar de poesia, fique.

A gente encontra um cantinho para desaparecer do mundo que ameaça nossa sensibilidade. Procura a beleza no meio do caos. Recusa esse tempo do relógio que já não mostra mais as horas, só exibe ponteiros gritando ansiosamente: corra, corra, corra.

Sei que é assustador, afinal é ir contra tudo e todos que estão ao redor. Talvez seja até intimidante quando olharmos nos olhos. Porque eles revelam tanto e já não se faz mais isso, né? Mas eu topo me desnudar, já não ligo mais pro “certo e errado” lá de fora.

Acontece que não sei não amar. Na verdade, eu sei amar. Mas não se assuste, ou tome isso como algo pesado de se carregar. “Ela tem sentimentos”. Sim, na era do Tinder, eu tenho sentimentos. Você sabe que pessoas como eu não estão lá, de qualquer forma.

É porque sou essencialmente assim que já chorei oceanos. E não me importaria de fazer tudo de novo, nunca seguraria ninguém à força se quisesse partir. Não é das dores do amor que tenho medo. O vazio de não sentir nada dessa vida apressada é que me assusta mais.

Agora, isto é fato: vou contar sobre ser mulher e talvez isso seja um pouco difícil de ouvir. – mas é por uma causa maior. E juro que vou tentar ser amorosa nisso, não raivosa, mas tampouco passiva. 

De fato, é complexo mesmo explicar as subjetividades que perpassam nascer e viver em uma sociedade machista e agressiva dentro de um corpo feminino. Antes eu olhava para mim mesma como se fosse composta de partes segmentadas. 

Entendo que soa estranho. Mas é que seu corpo nunca foi reduzido exclusivamente a uma “pele”, um “cabelo”, uma “nádega”, um “braço”, “um abdômen”. Nem tampouco seu intelecto foi analisado como algo “à parte” de tudo isso. 

Antes de chegar aqui, nestas palavras, eu tive que me descobrir inteira, recolher os pedaços, me perceber completa em mim mesma. E não foi fácil. Teve muito suor, cansaço e confusão envolvidos nesse processo. 

É por isso que essas conversas vão acontecer, não posso evitar. Porque elas são necessárias para um lugar de igualdade entre nós e não teria como ser diferente. Não estaria disposta a voltar lá para o começo. Seria uma loucura inconcebível.

Mas eu também nunca estaria aqui para viver em pé de guerra. Como eu disse, não sei viver nada disso sem amar.

Gosto de agradar. Danço, canto, brinco, leio. Se existe uma verdade é que não preciso de muito além de palavras e conversas que me façam esquecer do mundo e toda seriedade que é ser adulta para estar serena e feliz. 

Não ligo pro seu cargo, não me importa o quanto você ganha. Essas conversas me entediam um pouco.

Bom…e tem isso. Eu escrevo. 

Então, se gostar de poesia, fique. Quem sabe eu te transformo em alguma.

nuances.

é meio complexo
de se compreender
mas justo nos dias
mais doloridos e vulneráveis
que a vida nos brinda
com a oportunidade
de evoluirmos para conhecer
as nuances mais elevadas
de nós mesmos.

paciência.

paciência é
chorar, esperar e saber
que o mundo não vai mudar
da noite para o dia
mas aguardar e lembrar
que cada amanhecer
é uma oportunidade
da gente se transformar
com amor e aos poucos
no nosso tempo.

Maresia ilusória

foto aérea de uma praia paradisíaca na Indonésia

Desperto já imersa em pensamentos melancólicos. Maldito padrão típico de determinados dias de isolamento. 

Necessito desesperadamente de algo que me leve daqui. Queria estar em uma praia, poderia ser em qualquer outro lugar do mundo.

Preciso sentir outros aromas. Meu país ainda cheira a necrotério.

Sento. Medito. A única solução capaz de me salvar da insanidade ao redor.

Não é que não pense em nada. Mas consigo me transportar a algum outro lugar.

Entro na água e a temperatura me arrepia, arrancando o torpor.

A areia me aterra.

O silêncio da imersão total no azul pacifica.

As falésias me fazem sentir pequena, dimensionando a brevidade da vida e, ao mesmo tempo, o milagre que é existir.

As gaivotas traduzem a beleza da fauna, as árvores colorem os olhos de verde exaltando a perfeição da flora.

O sal cura as partes do corpo que doem.

O balançar das ondas me faz lembrar do trecho da canção da Lana: “pegue uma onda e absorva a doçura, pense bem…a obscuridade, a profundidade, todas as coisas que me tornam quem sou”.

Tudo aqui tem sabor de paz.

Retorno do devaneio com uma sensação doce e amarga. Ainda estou presa.

É tudo ilusão.

Mas sinto que, em breve, a maresia não será só miragem.

Então, a melancolia já não me esmaga.

Sigo apenas pensando que a vida é a poesia mais trágica e estupidamente linda já escrita por alguém.

*texto originalmente escrito em 29 de novembro de 2020.

porque não me calo.

eles me crucificaram
a sociedade
com seus padrões e pressões
pelo perdão
me libertei da carga da raiva
mas jamais esqueço
a violência cometida
tendo falhado
em me executar
sem querer eles me deram
capacidade de autoexpressão
me brindaram com aquilo
que mais temiam conceder
a uma mulher:
voz.