Senti um aperto no peito. Li a última frase com olhos marejados. Sabia que o final ia doer, mas não esperava com tamanha intensidade.
E, aqui para você, não quero dar spoilers. No entanto, preciso recomendar a leitura de “As Inseparáveis”, romance inédito de Simone de Beauvoir publicado no Brasil em 2021.
Espécie de texto autobiográfico, ele versa sobre a relação entre Beauvoir (Sylvie, na ficção) e Zaza (Andrée, na ficção). Como o título sugere: ambas foram amigas de infância e adolescência inseparáveis.
No entanto, entre deveres burgueses, pressões familiares em relação ao casamento e amores dilacerados, Sylvie acaba por ver Zaza entrar em uma espiral de autodestruição que só poderia findar em tragédia.
Simone entendeu, diante da história da amiga, como a cultura mata. Aniquila a vida de mulheres diariamente.
O jornal El País, em razão do lançamento recente da obra, levantou a questão: haveria uma Simone de Beauvoir, esta que nos brindou com O Segundo Sexo – livro que emancipou e emancipa tantas mulheres (e que, penso eu, todas precisam ler) – sem uma Zaza?
Depois de conhecer em detalhes essa história forte, dolorida, mas repleta de doçura pelo desabrochar de uma amizade sincera e verdadeira brilhantemente descrita em palavras, acredito no mesmo.
Obrigada Simone, obrigada Zaza. Pelo seu legado. Por terem sido quem foram. Por continuarem a nos libertar.
Às vezes reflito sobre o quão enigmática é a experiência de viver em um mundo moderno repleto de tantas possibilidades. Hoje acessamos infinitos por meio de um simples dispositivo que cabe em nossas mãos. O capitalismo – em sua infindável expansão – nos oferece cada vez mais.
As redes sociais reúnem entretenimento, lazer, socialização, possibilidade de engajamento em causas políticas. De um vídeo no Youtube pulamos ao feed do Instagram ou do Twitter. Mergulhamos em conversas pelo WhatsApp, participamos de reuniões pelo Zoom ou Google Meet.
Sempre há algo a se fazer. Se qualquer vazio interior espreitar, temos alguma distração disponível. Parece o paraíso. Mas às vezes me pego refletindo sobre o perigo dessa facilidade de abrirmos mão de um momento de silêncio e nos afastarmos de nós mesmas.
Se os algoritmos procuram adivinhar do que gostamos, para onde queremos ir e o que queremos comprar, onde fica nosso poder de decisão? Quando paramos para pensar sobre quem está por trás da tela?
Nós raramente o fazemos.
O que nos faz sofrer é nossa própria ausência
Ter lido o livro de Harari “21 Lições para o Século 21” foi um dos turning points que me fez refletir mais sobre a questão de estar “presente em mim”. À época, instigada pelo historiador, passava a divagar acerca dos perigos de terceirizar todas as decisões à tecnologia. Afinal, se por um lado isso traz praticidade, por outro facilita a alienação.
O ser humano parece já ter a tendência de fugir de si. Afinal, olhar para o externo e se distrair pode ser menos doloroso e trabalhoso do que fazer um trabalho interno. Encarar de frente os erros e acertos, as evoluções pessoais e os retrocessos, viver de verdade – com intensidade. Isso exige trabalho, entrega, confiança.
Hoje enxergo a questão com ainda mais seriedade e profundidade, fazendo até mesmo um recorte de gênero – algo inevitável enquanto mergulho na leitura de “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir.
Para nós, mulheres, é ainda mais fácil perdermos de vista o que é real e verdadeiramente importante, nos deixarmos levar. Temos a tendência, por nossa criação, de sermos mais ingênuas (pensar que homens ou outras pessoas, no geral, sabem o que é melhor para nós) e a criarmos fugas diante de uma realidade que nos oprime.
“A menina não pode encarnar-se em nenhuma parte de si mesma. (…) À mulher, ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar sua autonomia” – Simone de Beauvoir
Em termos mais simples: para sobreviver em uma sociedade patriarcal e machista, toda mulher sente um ímpeto ainda mais forte de se anestesiar da realidade com distrações. O pior é que isso nos deixa ainda mais vulneráveis em um mundo que não nos quer poderosas e exercendo nossa voz.
Percebe, então, o quanto isso é problemático? Para anestesiar a dor, fugimos para distrações, só para descobrir às vezes uma opressão ainda maior – comparando nossos corpos no Instagram com o de outras mulheres e, muitas vezes, caindo em uma espiral de vertigem e perda de tempo com vídeos e imagens que não nos levam realmente adiante em nossos mais autênticos objetivos de vida.
Aqueles que, possivelmente, nos libertariam intelectual, emocional e financeiramente.
O silêncio dimensiona a realidade e traz as melhores respostas
Diante de tais percepções, penso que na era em que vivemos buscar o silêncio é algo que toda mulher deve fazer. Sei que é complexo diante dos turnos de trabalho e exigências da família, casa, filhos, além das demandas de cuidados com a beleza e o caos tecnológico.
Mas todo esse caldo torna precisamente a prioridade de silenciar ainda mais importante. Porque, sinceramente: ninguém vai oferecer o silêncio contemplativo a você.
O mundo está cada vez mais rápido, veloz e barulhento. No contexto patriarcal, é bem provável que o “tom” desse barulho esteja lhe machucando ainda mais profundamente, com propagandas que insistem em reforçar seus pontos negativos, ao invés de qualidades.
O “timbre” da realidade contemporânea vai dizer que você não é bonita o suficiente, ou não é competente, ou que deveria “comprar” tal coisa para se tornar “perfeita” – algo que você, por essência, já é – ou seja…que não pode ser barganhado como propõe a mensagem de um mundo baseado em compra e venda.
E, veja bem: quando você cai nessa espiral de confusão e barulho, pode começar a procurar respostas nos lugares errados. Nem sempre a Igreja, um padre, uma religião, um coach, ou um influenciador digital vai ser capaz de dar um direcionamento à sua vida (pode duvidar até mesmo do que eu escrevo à vontade, viu?).
O ponto é: tudo isso pode até lhe orientar, mas só até certo ponto. Com a filosofia de Yoga, aprendi que o silêncio nos empodera.
Que há respostas que você só pode encontrar para si mesma ali. É na paz que brota do contato com a parte mais interna que lhe habita que os insights mais poderosos vão surgir. Mas você precisa exigir esse espaço de silêncio.
Faça um pacto consigo mesma e permita-se a quietude. Seja meditando, ouvindo uma música, desenhando ou criando algo da maneira que preferir. Porque, como também disse a própria Beauvoir:
“Criar é fazer rebentar no seio da unidade temporal um presente irredutível”.
E estar em um presente irredutível é a verdadeira forma de paz. Em um mundo de respostas fáceis e prontas, só você mesma pode encontrar as suas.
Escrevo porque preciso dizer: está doendo te ler. E dói porque toca em vários pontos da minha vida, do meu “ser mulher”, que até aqui simplesmente abafei. Me recusei a sentir.
A verdade é que não quero ser apenas uma “carne frágil”, como em alguns momentos me senti na condição inevitável de existir neste mundo – e me vi reconhecida até nessa negação por meio das tuas palavras.
Afinal, até certo ponto, eu sou ela. Digo, esta carne escrava da biologia, da cultura, dos costumes. É inevitável. Sou existente. Minha identidade está fundida a tudo isso.
Mas sei, sinto que preciso – e quero – transcendê-la. Onde encontro a tua coragem? Imploro que me ajude. Ainda necessito de muitas, muitas, muitas respostas…
Porque também quero ajudar a todas as minhas irmãs. Só que, se não começar por mim mesma, como ajudarei? Como equilibrar essa força?
De onde veio a tua? Quero dizer…a tua determinação para compreender que não é preciso ser perfeita para todos o tempo todo? A coragem de contestar, falar dos tabus, não temer as críticas?
A leveza para entender que é permitido errar? Eu, quando erro, quero morrer. E isso é tão limitante e injusto, certo? Imagino que acharia ridícula essa pressão que boto em mim mesma, porque ela não é minha, é do meio.
Talvez diria: “apenas continue lendo, escrevendo, filosofando…esse é o caminho para se tornar uma pessoa autêntica, sujeito da tua própria história e vida. Busque a independência, ganhe o teu próprio dinheiro, confie nas tuas escolhas”.
Quem sabe, afinal, essas já sejam algumas respostas.
Se você se identificou com a chamada deste artigo (ou seja, anda se sentindo meio cansada e estressada), antes de mais nada, saiba que não está sozinha. Aqui no Brasil, infelizmente, a maioria das mulheres chegou ao seu limite – especialmente agora na pandemia.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), nosso país é o mais ansioso mundo (e o 5º mais depressivo). Se fizermos um recorte de gênero, imagina quem absorve essa carga ainda de forma mais pesada?
Exatamente: as mulheres. A situação atual do Brasil escancarou o quanto a mulher é mais afetada quando o país está caótico…
Você sabia, por exemplo,que trabalha 10,4 horas a mais por semana do que o homem em tarefas domésticas, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios de 2020?
Além disso, se você também é mãe, provavelmente já experimentou na pele outros desafios nesta pandemia, não é?
Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as mamães com filhos e filhas foram as mais afetadas pelo cenário, tendo que abraçar completamente a jornada tripla (dar conta do trabalho remunerado, da casa e das crianças). Ou, então, abrir mão do trabalho formal remunerado.
Segundo esse mesmo levantamento, a participação das mulheres no mercado de trabalho em 2020 foi amenor dos últimos 30 ANOS! Especialmente as que têm filhos de até 10 anos se viram obrigadas a parar de trabalhar formalmente…
Então, amiga, não é por acaso que às vezes você talvez sinta como se estivesse afundando. Desamparada, sem rumo e sem chão.
É neste momento que não ter uma válvula de escape pode ser enlouquecedor…
Vou revelar aqui que eu mesma já me senti assim (e às vezes ainda me sinto) muitas e muitas vezes.
Mas quero contar um segredo (que já nem é mais segredo, de taaaantas vezes que me abri sobre isso nas redes): existe uma forma de aliviar um pouco esse sentimento horroroso de não ter voz, de ninguém te amparar, de não conseguir lidar com tudo isso.
Sabe qual é ela? Escrever.
Sim! Desde que comecei meu blog, em 2019 e assumi minha carreira de escritora, comecei a perceber o quanto a escrita é uma ferramenta mágica. Por quê? Porque nos permite aliviar angústias e extravasar sentimentos.
Conto por experiência própria: quando você não olha para as angústias que fazem parte do seu dia a dia enquanto mulher, parece que tudo vai acumulando, acumulando, acumulando. Até que explode.
E, quando explode, é horrível.
“Mas Rafa, escrever é difícil para mim…”
Sei bem como é isso. Porque é justamente aí que todos os nossosmedosvêmàtona. Bate forte aquela Síndrome da Impostora, não é?
Você fica receosa de escrever algo que não é “bom”, ou que será julgado, ou teme simplesmente travar no processo.
Foi justamente pensando em ajudar você a abrir mão desses medos e dar o próximo passo para jogar os sentimentos no papel e descobrir até onde a escrita pode te levar, que eu decidi fazer um esforço conjunto com as maravilhosas criadoras do projeto Tinha Que Ser Mulher (a Gi e a Mari) e lançar oficialmente…
Meu primeiro Workshop de Escrita 100% voltado para mulheres.
Sim: estou anunciando hoje oficialmente a abertura de vagas para “O Nascer da Escrita” – meu primeiro Workshop online. Vão ser quatro encontros em sábados, nos dias:
19/06
26/06
10/07
17/07
Sempre às 10h30 e com duração de 1h15min, via Google Meet. Ah! E as aulas vão ficar gravadas, caso você não possa participar em algum dos dias presencialmente, para assistir depois e fazer os exercícios de escrita propostos.
A dinâmica dos encontros terá momentos muuuuito legais de acolhimento, além de exercícios de escrita propostos a partir de métodos usados por escritoras que AMAMOS, como a Rupi Kaur, a Virginia Woolf e a Agatha Christie.
“Ah, Rafa, mas quanto vou ter que investir para fazer parte do Workshop?”
Sei que administrar o orçamento na pandemia não é fácil. Por isso, eu, a Gi e a Mari preparamos uma oferta exclusiva para você.
O preço oficial do Workshop é de R$ 397.
Mas para fazer parte da primeira edição, você investirá apenas 4x R$ 49,25, ou R$ 197 à vista.
E não para por aí:
Você ganhará 20% de desconto sobre o valor promocionalse for:
➡️ Madrinha do projeto Tinha Que Ser Mulher
➡️ Assinante da minha Newsletter
Você também vai levar de graça estes bônus de presente:
🎁 Meu livro O Nascer da Escrita: encontre sua voz (e a de seus clientes) por meio das palavras, de Rafaela Dilly Kich (De R$ 34,70 por R$ 0,00)
🎁 Revisão dos seus textos (De R$ 50,00 por R$ 0,00)
🎁 Grupo exclusivo no WhatsApp com as participantes (Não tem preço)
🎁 Participação em episódio do podcast Tinha Que Ser Mulher (Não tem preço)
🎁 Publicação coletiva independente (Não tem preço)
🎁 Certificado digital (Não tem preço).
Então, bora começar a escrever juntas? Eu, a Gi e a Mari queremos que esse Workshop seja um espaço seguro e acolhedor entre mulheres e também estamos muito preocupadas em garantir o MELHOR atendimento para todas as participantes.
Por isso, temos o número máximo de 12 vagas disponíveis para o Workshop. Recomendo muito que, se você se interessou pela proposta, realize agora sua inscrição para garantir a participação.
E, se você tiver qualquer dúvida sobre como vai funcionar ou se o Workshop é realmente para você, dê uma espiada na página de vendas com informações mais detalhadas ou fique à vontade para me escrever pelo e-mail rafaela.kich@gmail.com que posso esclarecer mais detalhes.
Estou bem orgulhosa do projeto. Só que este texto não é para falar sobre ele. É, sim, para abrir meu coração sobre os bastidores e compartilhar alguns insights que eles me trouxeram sobre ambição feminina.
A verdade é que sempre fui uma mulher ambiciosa. Talvez seja coisa dos astros mesmo. Sou leão com ascendente em leão (peeeensa!).
Mas a realidade é que, nos últimos anos, desde que lancei meu blog e comecei a me publicar nas redes sociais, todo dia tem sido uma batalha entre mim mesma e a impostora que me habita.
Aí vai a verdade nua e crua: diante de cada venda do livro, diante de cada comentário de “parabéns”, diante de cada elogio, aqui atrás da tela ainda está uma menina/mulher que pensa: será que mereço?
Além da minha própria autossabotadora interior que luto para vencer todos dias, ainda parece que escuto outras vozinhas ecoando lá no fundo da mente: “Quem ela pensa que é? Essa menina ‘se acha’ demais”.
Sim, parece que sou capaz de ouvir vozes de outras mulheres me julgando. E não é por loucura da minha cabeça, como já cheguei a pensar que fosse.
Nas leituras feministas recentes que tenho feito, acabei descobrindo algumas respostas para os fenômenos que acontecem sempre que uma mulher procura ocupar lugar de destaque profissional e financeiro nesta sociedade.
Neste artigo, quero falar um pouquinho sobre elas.
O medo de não ser mais “Outro”
No brilhante livro “O Segundo Sexo”, a francesa Simone de Beauvoir traz uma tese poderosíssima: a construção da mulher na sociedade faz com que ela se enxergue como o Outro.
Quem seria o Outro? Alguém que não é “o homem”, ou seja, alguém que não é o sujeito de sua própria vida e história. O Sujeito (homem) se constitui fazendo do outro o Objeto.
A mulher, portanto, seria isto – o Outro, o objeto. Viveria, assim, uma espécie de alienação de si mesma. O que também, segundo a própria, traz certas vantagens confortáveis.
Acontece que essa passividade é um caminho nefasto, pois não permite a liberdade de que nos tornemos tudo o que podemos ser. A ambição, em minha visão, nasce do desejo de explorarmos nosso potencial por completo – de sermos livres para buscar nossa essência.
No contexto capitalista, para uma mulher, ter ambição significa buscar autonomia moral, financeira, intelectual e espiritual. É uma forma de afirmar-se, dizendo: “quero ser Sujeito da minha própria vida, não Objeto”.
É um ato de libertação. Mas o sistema atual não se interessa muito por mulheres livres, convenhamos.
Criadas para julgar
Aí entra a outra complicação da ambição feminina. Me parece que, quando uma mulher se declara independente ou quer ocupar um espaço de independência e destaque, precisa encarar um enorme medo de ser julgada, observada e até excluída (muitas vezes, por outras mulheres).
Fomos criadas para aniquilar umas às outras. É triste demais.
Esses dias fiquei sabendo em off que uma filósofa negra que conquistou um lugar de destaque no meio literário está cobrando uma bolada para dar palestras. Logo de cara, também achei o valor extremamente alto.
Depois, fiquei pensando “ok, esse valor é bem alto mesmo”. Mas…há diversos filósofos homens brancos que cobram cachês semelhantes e nunca ninguém achou “estranho”.
Então, será que ela estaria errada em cobrar assim pela sua fala? Vindo de onde veio, estudando tudo que estudou? Quem coloca o valor no nosso trabalho?
Onde quero chegar: a sociedade patriarcal (em sua parceria com a Igreja também, sejamos honestos), embutiu nas mentes femininas, de todas as formas, o medo de ser grande.
Era para sermos queridinhas, humildes, quietinhas. Amebas invisíveis, em outras palavras.
Ser uma mulher ambiciosa é dizer não para tudo isso. É um ato de rebeldia e exige coragem.
A anulação é que deveria assustar
Para encerrar, compartilho aqui então a minha maior descoberta desde que decidi me publicar como autora e usar a minha voz para defender causas que julgo importantes: ser ambiciosa é assustador, sim. Mas há algo pior.
O que temo mais, hoje, é a ideia de reprimir meus talentos por conta dessas vozinhas e me esconder no vazio de um emprego do qual não gosto – ou pior! – no infinito vazio do interminável trabalho doméstico.
Penso que deveríamos ter mais medo de nos permitirmos ser anuladas, do que de ter grandes ambições – e, por que não? – um excelente salário também.
Ser dona da própria vida exige muita coragem. Mas eu quero encorajar você, aqui, a seguir o caminho que você mesma escolher e bancá-lo.
Não vou mentir: não é fácil. Só que é libertador.
E viver sem liberdade nada mais é do que uma morte diária.
Desperto tranquila, pois a vida não me pesa sobre os ombros. Ela tem tons leves, sem estresse financeiro ou emocional em excesso. Preciso dar conta das demandas do trabalho, claro, mas agora pelo menos sou remunerada pelo tempo despendido nas tarefas domésticas.
Além disso, não fico ansiosa pela obrigação de estar sempre bela. Não existe mais “padrão de beleza”. Assim, nós também paramos de nos comparar umas às outras e de fofocar pelas costas.
Quando o vizinho estaciona seu carrão na garagem, isso não me irrita. Afinal, nossos salários são equivalentes. Só não tenho o “carrão” porque prefiro viajar o mundo com o que ganho – um valor justo, digno e merecido.
Explorar os continentes como viajante mulher “solo”, aliás, tampouco me amedronta. Com a equidade salarial, o maior respeito à Natureza e a igualdade entre os sexos, a violência contra a mulher é praticamente inexistente.
Não tenho frio na barriga, temor de andar pela rua e ser estuprada. Aliás, os homens estão mais gentis por todos os lados. Eles deixaram aflorar seu lado feminino, pararam de brigar com ele, agora são mais empáticos, amorosos e gentis.
Quando ando de bicicleta pelas ruas, observo as casas e me alegro. Não vejo só mulheres debruçadas sobre janelas e calçadas esfregando o chão. Às vezes são elas, às vezes são eles. E também há mais famílias com variadas composições (não há mais nenhum tipo de preconceito contra gays, lésbicas e a comunidade LGBTQI+).
Sobretudo, há uma vibração de respeito e afeto por todos os lados. O patriarcado parece ter ruído, os líderes fanáticos religiosos se foram e a nova lei sobre a terra é o amor.
Poderia ser tudo verdade, como um voo em direção ao futuro utópico das mulheres e dos homens no planeta. Sou capaz de contemplá-lo, embora a realidade ainda esteja distante.
Não creio ser impossível e é por isso que escrevo, resisto e luto. Amparada pelas que vieram antes de mim e com a certeza de que, se não chegarmos a esse lugar ideal, pelo menos chegaremos a um lugar melhor, mais lúcido.
“Ninguém iria notar se você simplesmente desaparecesse e nunca mais escrevesse nada.”
“Como você foi capaz de cometer um erro de português tão idiota naquele artigo?”
“Você está passando vergonha se acha que vai chegar a algum lugar com um blog estúpido.”
Essas eram as linhas da batalha interna, o discurso torturante de minha mente contra mim mesma no último fim de semana.
Decidi reler e revisar alguns dos artigos, poemas e textos que postei desde que criei coragem de expor minhas palavras na internet e nas redes sociais.
O resultado foi o recém mencionado monólogo silencioso e autodepreciativo comigo mesma.
Às vezes é assim: minha mente começa a falar coisas horrendas e simplesmente se recusa a parar. Algo em mim – talvez uma consciência mais elevada – buscava contra-argumentar.
“Mas houve tantos textos sem nenhum erro.”
“Tantas pessoas já comentaram que gostaram dolivro e foram tão carinhosas em comentários por aqui. Algumas até escreveram para dizer que você as inspira!”
“Você chegou até a dar entrevistas para podcasts este ano falando sobre o seu trabalho.”
Parecia não importar. Meu cérebro já havia decidido me machucar.
Não foi a primeira vez que aconteceu. Também duvido que será a última.
Porém, nos últimos tempos descobri algumas formas de encontrar respiro em meio a esse filme de terror que por vezes se instala internamente aqui.
O patriarcado tem culpa, sim.
Na verdade, diria que a grande transformação tem sido compreender melhor o porquê se desencadeia esse processo de descida ao inferno da impostora dentro de mim.
O patriarcado é a primeira razão. Isso não é “mimimi” ou vitimismo.
Acontece que todas as mensagens subliminares da sociedade gritam à mulher: “você só merece um lugar de destaque se for perfeita – física e intelectualmente. Nada menos que perfeita.” (Naomi Wolf explica bem a construção de tal mecanismo em “O Mito da Beleza”, recomendo a leitura).
Aí já está o primeiro entrave. Afinal, a perfeição é uma exigência muito elevada. Errar é premissa básica de ser humano.
Então, com suas narrativas, a sociedade ocidental forja dentro do inconsciente feminino esta mensagem: “não adianta nem tentar.Esconda-se. De preferência, no vazio invisível do trabalho doméstico.”
Essa lógica foi embutida a fórceps dentro de mim pela mídia, pela disparidade salarial, por todo o contexto que me cerca – e olha que, dentro de casa, tive uma criação muito livre, nunca fui encaixada em um estereótipo pelos meus pais, por exemplo.
Buda também estava certo: domine sua mente, ou ela o dominará
A segunda razão é que a mente tem mesmo essa tendência de não parar de falar quando se apega a determinado assunto. Aí só Yoga entra mesmo para me salvar.
Somente a respiração, o centramento, a meditação são capazes de me fazer perceber que quando algo dentro de mim está tagarelando maldades, muito provavelmente, é a minha mente. Esta, condicionada por conceitos e pressões sociais, que não é a minha verdadeira essência.
A prática diária me fez compreender, como diz minha professora Maria Nazaré Cavalcanti, que a mente é nada mais que uma bailarina tímida.
Quando elevamos a consciência pela prática, ela se aquieta. É aí que mora a liberdade. Só assim a batalha interior finda.
E por que decidi partilhar um artigo sobre isso?
Porque imagino que você – especialmente se for mulher nesta sociedade machista – já deixou de fazer algo que gosta, ou até de acreditar e bancar alguns de seus sonhos, por conta desse tipo de tortura mental programada como um software de computador.
Portanto, queria frisar aqui:
Você não está sozinha;
Você não precisa ser perfeita;
Não deixe de percorrer seu caminho e fazer o que ama por conta desse peso;
Cerque-se de pessoas que elevam sua autoestima – e não o contrário;
De minha parte, o que posso dizer é que também não vou ceder à mente. Vou continuar aqui.
Rabiscarei minhas palavras e as deixarei soltas ao vento, partilhando um pouco do que acredito com o mundo.
Mesmo sabendo que não serei perfeita. Nem tendo certezas absolutas sobre para onde o caminho me levará.
Sei que vou errar. Talvez seja criticada. Ou mesmo ignorada.
Ainda assim… Não. Vou. Parar. Porque hoje reconheço que meu processo nunca foi sobre a chegada. Ele tem sido sobre estar em movimento.
Não deixe esta sociedade doente, preconceituosa e julgadora destruir seu sonho. Qualquer que seja.
Parafraseando Emicida:
“Você é o(a) maior representante do seu sonho na face da Terra”.
Não esqueça disso quando estiver em uma das suas batalhas internas.
Tenho 26 anos, o que se traduz em uma experiência de vida ainda bastante limitada. No entanto, ouso dizer que 2020 tem sido um dos anos mais difíceis na história do Brasil. Por quê?
Bem, pois está escancarada bem diante de nossos olhos a abismal desigualdade social de nosso país patriarcal. Tudo isso em meio a um genocídio (sim, assim descrevo o que acontece quando mais de 170 mil pessoas perdem sua vida, devido à necropolítica praticada por um governo).
Ontem mesmo, o LinkedIn divulgou nova pesquisa do Ministério da Economia, apontando que as mulheres concentraram 65,6% dos empregos formais eliminados na pandemia.
Em um lado da balança, os extremamente ricos ficaram ainda mais ricos: segundo levantamento do banco suíço UBS, a fortuna dos bilionários em meio à pandemia passou de 10 trilhões de dólares. Enquanto isso, a miséria extrema também avançou (onde uns têm demais, outros têm de menos, por obviedade).
Para contextualizar melhor a introdução deste texto (antes que alguém me chame de socialista de iPhone ou comunista), primeiro quero frisar: sei bem que sou uma menina branca, de classe média. E que, provavelmente, ainda vivo em uma bolha de inúmeras maneiras.
Só que isso não me impede de tentar enxergar outras realidades além da minha. Penso, inclusive, que é o mínimo dever que tenho diante dos privilégios que possuo enquanto cidadã.
Além disso, acredito que minha função como jornalista é realmente procurar falar por aqueles que não têm voz. Foi por isso que, no texto de hoje, decidi compartilhar cinco livros que me ajudaram a “sair um pouco da bolha” neste ano de 2020, justamente para compreender melhor o contexto que me cerca neste país.
Sair de bolhas é dolorido, eu sei. É um processo – muitas vezes desconfortável – reconhecer privilégios, mas isso nos engrandece enquanto seres humanos. Nos torna mais gratos e empáticos.
Além disso, enquanto nós da classe média – e alta, principalmente! – não observarmos para além das nossas bolhas, viveremos com medo da violência e da barbárie, que são frutos da desigualdade social.
“Que efeito surpreendente faz a comida em nosso organismo! Eu, que antes de comer via o céu, as árvores, as aves, tudo amarelo, depois que comi, tudo normalizou-se aos meus olhos.”
Nunca passei fome na vida, mas fui capaz de ter dimensão da experiência com a história de Maria Carolina de Jesus. Em seu livro, amplamente comentado neste ano de 2020 e já citado em palestras da Feira do Livro de Porto Alegre e Araxá (que, aliás, estão rolando online pelo Youtube com palestras e convidados incríveis!), é possível mergulhar na vida dos moradores da favela de Canindé, em São Paulo, década de 50.
A obra, tristemente, segue atual. O mundo ainda está repleto de “Marias Carolinas de Jesus”. Basta você passar por uma grande cidade para perceber. Enquanto mulher, esse livro me tocou muito e fez com que pudesse desenvolver um senso de gratidão ainda maior pelas coisas mais simples da vida, como a beleza do entardecer e um prato de comida.
“O que é a história de Fantine? É a sociedade comprando uma escrava. De quem? Da miséria. Da fome, do frio, do isolamento, do abandono, da privação. Dolorosa negociação. Uma alma por um pedaço de pão. A miséria oferece, a sociedade aceita. […]. Dizem que a escravidão desapareceu da civilização europeia: é um erro. Existe ainda, mas não pesa senão sobre a mulher, e chama-se prostituição.”
Ainda não finalizei a leitura deste clássico calhamaço, mas já vale a pena dividir algumas palavras por aqui. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que a obra de Victor Hugo é das mais tocantes que já li em toda a minha vida. Principalmente porque versa sobre a miséria humana em todos os espectros possíveis: do âmbito financeiro ao moral.
Este livro tem me feito compreender diversos tipos de miséria que permeiam a existência. A do dinheiro é apenas uma delas – e que exige, de fato, muita atenção e compaixão por parte de todos nós que nunca passamos pela privação extrema.
Por outro lado, a obra também abre o coração do leitor para o que é realmente o aspecto mais importante da vida: amar. Sem amor, somos todos miseráveis (ricos ou pobres).
‘Depois do sucesso da segunda onda do movimento das mulheres, o mito da beleza foi aperfeiçoado de forma a impedir o avanço do poder em todos os níveis na vida individual da mulher. As neuroses modernas na vida de um corpo feminino se espalham de mulher para mulher em ritmo epidêmico.”
Enquanto mulher, também faço parte de uma minoria oprimida da sociedade. Mas, neste contexto, há ainda outras bolhas mais profundas, que afligem diferentes camadas sociais.
A obra da jornalista Naomi Wolf me fez ter a sensação de sair de uma nova bolha este ano: aquela que permeia a “obsessão pelo corpo perfeito”, que atinge tantas e tantas mulheres neste exato momento.
Neste livro, ela tece um argumento poderosíssimo de que, para brecar o avanço intelectual das mulheres e suas conquistas profissionais, a sociedade patriarcal associou o crescimento patrimonial da mulher à uma “beleza comprável”, por meio de cosméticos, cílios, maquiagens e horas gastas na academia.
Em outras palavras: a sociedade de consumo aprisiona a mulher em seu ideal de corpo, de modo que despendemos nossos salários (já mais baixos), muito frequentemente, em coisas relativamente fúteis – quando poderíamos estar lendo um livro, ou nos cuidando em casa mesmo…
A quem interessa, afinal, que sejamos ignorantes e apenas belos “cabides” maquiados, ao invés de seres pensantes?
“Somos úteros de duas pernas, isso é tudo: receptáculos sagrados, cálices ambulantes.”
Embora seja ficcional, a obra de Atwood me fez sair da bolha no sentido de pensar profundamente sobre as diferentes experiências de dor que podem impactar a mulher em uma sociedade. Sobre como somos colocadas em caixinhas e, frequentemente, julgamos umas às outras pelos papeis que assumimos (mãe, amante, esposa fiel, “lésbica”, dona de casa, etc).
As palavras da autora despertaram em mim compaixão por outras mulheres que, com certa vergonha, hoje confesso que já cheguei a julgar. Me fez aprofundar também a compreensão de que a única forma de modificarmos a estrutura patriarcal, inserida no contexto do fanatismo religioso, é ajudando umas às outras, jamais competindo e apontando dedos.
ps: já escrevi uma outra resenha mais completa sobre “O Conto da Aia”, você pode ler neste link.
“As flores do campo e as paisagens têm um grande defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica.”
A distopia de Huxley foi perfeita para o momento de quarentena, pois acentuou minha percepção do que estava por trás do colapso social e econômico que pautou 2020: a diferença de salários e o nível de valorização que permeiam distintas profissões, além da alienação coletiva que ocorre, justamente, quando não saímos da bolha.
Por que as pessoas não pararam de trabalhar em meio à uma pandemia? Algumas não tiveram opção, precisavam do dinheiro. Outras não aguentaram o peso de sua consciência dentro de casa e, mesmo com bens acumulados para três gerações, acabaram saindo. Houve, ainda, aquelas que mal pararam para refletir sobre tudo o que está acontecendo e seguiram rotinas em um automatismo assustador.
A ignorância continua a mover grande parte da massa populacional do Brasil. E o maior problema dela é justamente o fato de ser mortal, como ficou claro com o Covid-19.
E você? Já leu alguma dessas obras? Se quiser me contar aqui nos comentários, vou adorar saber!
Observação: os livros indicados neste post contêm meus links de afiliada. Ao comprar por meio deles, você não paga nada a mais, mas ajuda a rentabilizar meu trabalho para que eu possa seguir escrevendo esses textos. Obrigada!
Acompanhei a primeira temporada da série “O Conto da Aia” no início de 2019, quando os primeiros instintos mais fortes ligados à causa feminista começavam a aflorar dentro de mim. As cenas eram impactantes, duras de assistir, mas persisti até o fim. Na época, porém, ainda não tinha dimensão real do que tudo aquilo significava.
Passa um ano. Brasil, 2020. Fanatismo religioso. Pandemia. Isolamento social. Acabei, enfim, com um exemplar em mãos do livro que deu origem à série, escrito pela canadense Margaret Atwood.
Eu, a mesma pessoa, mas agora já também com mais de um ano de estudos feministas na bagagem, graças ao projeto desenvolvido junto à minha amiga Carolina Marco, o NÓS (por meio do qual criamos conteúdo gratuito para empoderar mulheres), pude realmente me aprofundar nessa obra crítica brilhante. Talvez equivocadamente chamada de distopia.
O fato é que, a meu ver, o mundo em que vivemos hoje parece tornar-se cada vez mais próximo do cenário da série. Vou explicar o porquê.
Elementos centrais de O Conto da Aia
Distopia, segundo o dicionário, seria uma antítese de utopia. Em outros termos, diz respeito a um estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação (antítese de utopia). Sob tal perspectiva, caso ainda não tenha ouvido falar da série ou do livro, a classificação estaria correta.
Para dar um breve resumo, a história se passa na chamada República de Gileade. Trata-se de uma sociedade estabelecida nas fronteiras do que antes eram os Estados Unidos da América, tomado por um movimento fundamentalista de reconstrução cristã autointitulado “Filhos de Jacó”.
Por meio de um golpe, ele suspende a Constituição sob o pretexto de “restaurar a ordem” social diante de um problema central: o país se encontrava tão poluído e tóxico que a saúde e a fertilidade da maioria da população feminina foi afetada e as mulheres pararam de ter filhos.
Basicamente, o que se passa é que sob o pretexto religioso é criado um Estado completamente totalitário, militarizado, hierárquico e fanático, que distorce textos do Velho Testamento para reorganizar o país sob um elemento central: a reprodução. As mulheres não têm mais a possibilidade de leitura, estudo ou autonomia de qualquer tipo.
Naturalmente, elas acabam divididas em “castas” estabelecidas, claro, por sua capacidade reprodutiva (existente ou inexistente). Cada uma está predestinada a executar uma função. A personagem principal, Offred, faz parte do grupo das Aias – mulheres obrigadas a se vestirem de vermelho e copularem com os Comandantes das casas que habitam, cujas esposas já são inférteis.
Mas há também as mulheres destinadas à limpeza e aos serviços domésticos, por exemplo. Cada uma na sua “caixinha”, no seu papel. Odiando – ou invejando – a outra pelo que ela ocupa. São justamente esses elementos sutis da narrativa que parecem transformá-la não mais em algo distópico. Mas, sim, em algo próximo da realidade de todas as mulheres, independentemente da classe social.
Na verdade, O Conto da Aia simplesmente mistura aspectos já existentes e fortíssimos da opressão à mulher e imagina-os levados à máxima potência.
Violência que transparece nas palavras
Tive o insight de que o livro não era totalmente imaginativo justamente porque palavras são muito expressivas. Como a obra inteira é narrada em primeira pessoa, fui capaz de sentir o mesmo que Offred em diversos aspectos de sua descrição quanto à objetificação de seu corpo, os olhares de julgamento de outras mulheres e a educação estruturada com base na cultura de estupro, que tende a culpabilizar as vítimas pelos abusos.
Tomei a liberdade de expor, aqui, alguns trechos diretos que corroboram o que digo. Por exemplo: quando, no Centro de Treinamento ao qual às mulheres são enviadas assim que a República de Gilead é estabelecida, as “Tias” (espécies de freiras treinadoras) lhe fazem uma lavagem cerebral para que se submetam ao regime.
“Janine está contando como foi currada por uma gangue aos catorze anos e fez um aborto. (…) – Mas de quem foi a culpa?, diz Tia Helena, levantando o dedo roliço. ‘Foi dela, foi dela, foi dela, entoamos em uníssono.’ ‘Quem os seduziu?’, Tia Helena sorri radiante, satisfeita conosco. ‘Ela seduziu. Ela seduziu. Ela seduziu. ‘Por que Deus permitiu que uma coisa tão terrível acontecesse? ‘Para lhe ensinar uma lição. Para lhe ensinar uma lição. Para lhe ensinar uma lição. Na semana passada, Janine explodiu em lágrimas. (…) Nesta semana, ela nem espera que comecemos com as zombarias. ‘Foi minha própria culpa’, diz ela. Foi minha própria culpa. Eu os incitei, os seduzi. Mereci o sofrimento’. ‘Muito bem, Janine’, diz Tia Lydia. Você é um exemplo.”
Forte, não é?
Ou esta descrição de como Offred se sente em relação ao seupróprio corpo:
“Eu costumava pensar em meu corpo como um instrumento de prazer, ou um meio de transporte, ou um implemento para a realização de minha vontade. Eu podia usá-lo para correr, apertar botões deste ou daquele tipo, fazer coisas acontecerem. Havia limites. Mas meu corpo era, apesar disso, flexível, sólido, parte de mim. Agora, a carne se arruma de forma diferente. Sou uma nuvem.”
Ok, não podemos dizer que a realidade atual do Brasil está nesse nível de totalitarismo, obviamente. Mas, se você for mulher, provavelmente vai se identificar com algumas sensações evocadas pelo livro. Talvez sinta alguma cosquinha engraçada que lhe diga: já experimentei tal sentimento. Ou, inclusive, “já julguei outra mulher assim”.
Foi muito interessante que, quando terminei a leitura, compartilhei lá no meu Instagram justamente a perspectiva de que “O Conto da Aia” não é uma distopia. A Mariana Blauth, que foi minha colega na faculdade de Jornalismo e hoje coordena um projeto literário super bacana chamado Página Cem, me chamou no inbox e contou:
“Sabia que a própria autora falou em uma entrevista que ela classificaria sua obra como ficção especulativa, não distopia?”
Aí a ficha caiu. De fato, a narrativa do livro não é completamente impossível. Para algumas mulheres, em maior ou menor grau, é uma extensão da realidade. Daí, mais uma vez, a importância da luta feminista: é sobre fazer prevalecer nossos direitos para que a vida se torne melhor para as mulheres – e não pior.
Porque o pior émuito, muito, muito assustador. Como Atwood já alertou em sua fascinante obra-prima que parece distante no tempo, escrita em 1985, mas se torna a cada dia mais atual.
E você, já leu o livro ou acompanhou a série? O que achou? Teve alguma percepção semelhante? Me conta aqui nos comentários que eu vou amar saber!