Às vezes reflito sobre o quão enigmática é a experiência de viver em um mundo moderno repleto de tantas possibilidades. Hoje acessamos infinitos por meio de um simples dispositivo que cabe em nossas mãos. O capitalismo – em sua infindável expansão – nos oferece cada vez mais.
As redes sociais reúnem entretenimento, lazer, socialização, possibilidade de engajamento em causas políticas. De um vídeo no Youtube pulamos ao feed do Instagram ou do Twitter. Mergulhamos em conversas pelo WhatsApp, participamos de reuniões pelo Zoom ou Google Meet.
Sempre há algo a se fazer. Se qualquer vazio interior espreitar, temos alguma distração disponível. Parece o paraíso. Mas às vezes me pego refletindo sobre o perigo dessa facilidade de abrirmos mão de um momento de silêncio e nos afastarmos de nós mesmas.
Se os algoritmos procuram adivinhar do que gostamos, para onde queremos ir e o que queremos comprar, onde fica nosso poder de decisão? Quando paramos para pensar sobre quem está por trás da tela?
Nós raramente o fazemos.
O que nos faz sofrer é nossa própria ausência
Ter lido o livro de Harari “21 Lições para o Século 21” foi um dos turning points que me fez refletir mais sobre a questão de estar “presente em mim”. À época, instigada pelo historiador, passava a divagar acerca dos perigos de terceirizar todas as decisões à tecnologia. Afinal, se por um lado isso traz praticidade, por outro facilita a alienação.
O ser humano parece já ter a tendência de fugir de si. Afinal, olhar para o externo e se distrair pode ser menos doloroso e trabalhoso do que fazer um trabalho interno. Encarar de frente os erros e acertos, as evoluções pessoais e os retrocessos, viver de verdade – com intensidade. Isso exige trabalho, entrega, confiança.
Hoje enxergo a questão com ainda mais seriedade e profundidade, fazendo até mesmo um recorte de gênero – algo inevitável enquanto mergulho na leitura de “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir.
Para nós, mulheres, é ainda mais fácil perdermos de vista o que é real e verdadeiramente importante, nos deixarmos levar. Temos a tendência, por nossa criação, de sermos mais ingênuas (pensar que homens ou outras pessoas, no geral, sabem o que é melhor para nós) e a criarmos fugas diante de uma realidade que nos oprime.
“A menina não pode encarnar-se em nenhuma parte de si mesma. (…) À mulher, ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar sua autonomia” – Simone de Beauvoir
Em termos mais simples: para sobreviver em uma sociedade patriarcal e machista, toda mulher sente um ímpeto ainda mais forte de se anestesiar da realidade com distrações. O pior é que isso nos deixa ainda mais vulneráveis em um mundo que não nos quer poderosas e exercendo nossa voz.
Percebe, então, o quanto isso é problemático? Para anestesiar a dor, fugimos para distrações, só para descobrir às vezes uma opressão ainda maior – comparando nossos corpos no Instagram com o de outras mulheres e, muitas vezes, caindo em uma espiral de vertigem e perda de tempo com vídeos e imagens que não nos levam realmente adiante em nossos mais autênticos objetivos de vida.
Aqueles que, possivelmente, nos libertariam intelectual, emocional e financeiramente.
O silêncio dimensiona a realidade e traz as melhores respostas
Diante de tais percepções, penso que na era em que vivemos buscar o silêncio é algo que toda mulher deve fazer. Sei que é complexo diante dos turnos de trabalho e exigências da família, casa, filhos, além das demandas de cuidados com a beleza e o caos tecnológico.
Mas todo esse caldo torna precisamente a prioridade de silenciar ainda mais importante. Porque, sinceramente: ninguém vai oferecer o silêncio contemplativo a você.
O mundo está cada vez mais rápido, veloz e barulhento. No contexto patriarcal, é bem provável que o “tom” desse barulho esteja lhe machucando ainda mais profundamente, com propagandas que insistem em reforçar seus pontos negativos, ao invés de qualidades.
O “timbre” da realidade contemporânea vai dizer que você não é bonita o suficiente, ou não é competente, ou que deveria “comprar” tal coisa para se tornar “perfeita” – algo que você, por essência, já é – ou seja…que não pode ser barganhado como propõe a mensagem de um mundo baseado em compra e venda.
E, veja bem: quando você cai nessa espiral de confusão e barulho, pode começar a procurar respostas nos lugares errados. Nem sempre a Igreja, um padre, uma religião, um coach, ou um influenciador digital vai ser capaz de dar um direcionamento à sua vida (pode duvidar até mesmo do que eu escrevo à vontade, viu?).
O ponto é: tudo isso pode até lhe orientar, mas só até certo ponto. Com a filosofia de Yoga, aprendi que o silêncio nos empodera.
Que há respostas que você só pode encontrar para si mesma ali. É na paz que brota do contato com a parte mais interna que lhe habita que os insights mais poderosos vão surgir. Mas você precisa exigir esse espaço de silêncio.
Faça um pacto consigo mesma e permita-se a quietude. Seja meditando, ouvindo uma música, desenhando ou criando algo da maneira que preferir. Porque, como também disse a própria Beauvoir:
“Criar é fazer rebentar no seio da unidade temporal um presente irredutível”.
E estar em um presente irredutível é a verdadeira forma de paz. Em um mundo de respostas fáceis e prontas, só você mesma pode encontrar as suas.
“Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão.” – Madre Teresa de Calcutá
Se você, assim como eu até não muito tempo atrás, ainda não sabe realmente o que é Yoga, talvez a primeira imagem que lhe venha à mente diante dessa palavra é de um iogue muito magro, meditando na Índia, ou de alguém fazendo uma postura extremamente acrobática que lhe parece impossível. Trata-se de um equívoco.
Então, vamos começar a desconstruir. Preciso que você entenda, antes de mais nada: tudo isso não é Yoga em sua totalidade. E, como certa vez disse minha professora Maria Nazaré Cavalcanti, Yoga também não é sobre se vestir de indiano, cantar mantras o dia inteiro, virar um “bobalhão que só medita”.
Mas, então, o que é realmente praticar Yoga e meditar? E o que isso tem a ver com processo criativo e escrita?
É o que vou explicar melhor a você neste artigo. Para facilitar a compreensão, antes de procurar contextualizar o que é Yoga e meditação, vamos primeiro ao que não é…
Yoga não é acrobacia ou fanatismo religioso
Nós, ocidentais, enxergamos muitas vezes os asanas (como são chamadas em sânscrito as posturas de Yoga), como algo exclusivamente físico. Por aqui, a visão da “praticante de Yoga” tende a ser a daquela que faz posturas, tem um tapetinho bacana, vai ao estúdio praticar duas ou três vezes na semana.
Tipo aquela coisa da Grazi Massafera, da Alessandra Ambrósio ou da Fernanda Lima postando fotinhos no Instagram de cabeça para baixo. Equívoco número dois.
Acontece que a parte física é uma minúscula ramificação do que é a verdadeira Yoga. Ela corresponde ao mecanismo que possibilita desacelerarmos nossa mente através do movimento e da respiração para que, a partir daí, possamos acessar um lugar de mais quietude interior, tranquilidade, algo que vai se refletir na forma como agimos em nossa vida diária e em nossos relacionamentos.
Então, sim: os asanas fazem parte da prática de Yoga. Mas não são tudo. Eles representam apenas um dos recursos, uma parte “formal” da prática.
Interessante pontuar que Yoga também não é uma religião, por si só. Existem, de fato, textos clássicos que apontam orientações de conduta, caminhos para o bem-viver.
Entretanto, diferentemente da forma como as religiões acabaram por se utilizar de mandamentos com um viés impositivo na cultura Judaico-Cristã, a filosofia yóguica aponta para um processo de construção.
Não é sobre proferir uma fé cega. É sobre você também ser participante ativo do seu processo de crescimento espiritual.
Trata-se de compreender novos ensinamentos e se permitir trilhar hábitos mais sadios para evoluir enquanto ser humano, buscando um caminho de libertação do sofrimento, mas sempre tendo como preceito inicial a não-violência também para consigo mesmo.
Esse é o ponto de partida. Assim que a Yoga começa.
Yoga como filosofia para viver e escrever melhor
Se você já está aí pensando “esse negócio de fazer posturas e respirar não é para mim, não tenho paciência”, ou “essa coisa de Yoga é muito alternativa”, tente dispersar por mais um minuto esse pré-julgamento. Aliás, tenha em mente que eu também já pensei assim. Sou super acelerada e vidrada em tecnologia.
Se eu consegui trazer a Yoga para a minha vida, você certamente tem essa capacidade aí dentro também. E lembre-se, mais uma vez, do que escrevi agora há pouco: posturas e meditação não são a totalidade dessa prática. Tudo isso é, digamos, apenas a pontinha do iceberg.
Vamos esclarecer melhor, então: qual é, afinal, a verdadeira definição da prática de Yoga? O que significa a palavra Yoga como termo e filosofia?
Em excelente reportagem escrita para a hoje já extinta Revista Yoga Journal, o Professor Pedro Kupfer contextualiza que Yoga diz respeito a uma escola de vida, um conceito profundo e complexo, cujo significado tem sido transformado ao longo dos anos segundo os interesses daqueles que o utilizam.
O fato é que Yoga e filosofia caminham de mãos dadas, segundo ele. Aliás, o sábio Patañjali – cujos Yoga Sutras (códigos de conduta da aplicação prática da sabedoria ióguica na vida) foram escritos há mais de 2.000 anos e até hoje são tidos como referência para uma existência com menos sofrimento e mais presença -, foi um dos primeiros a cunhar o termo.
Pois bem, não é fácil realmente definir Yoga. “A bem verdade, Yoga deveria ser tratado como o que ele é de fato: uma escola filosófica, cujo objetivo final é a liberdade. Nesse sentido, o Yoga é digno herdeiro da espiritualidade indiana, fonte na qual bebeu e se inspirou, e da qual nunca se separou”, escreve Kupfer.
Em resumo: Yoga engloba desde práticas corporais e respiratórias que ajudam a pacificar a mente, até orientações sobre códigos de conduta que, se observados na vida diária, ajudam a reduzir nossa sensação de estarmos perdidos, desamparados, sem rumo, tristes e em sofrimento mental.
Muitas de minhas professoras já afirmaram: a verdadeira prática começa fora do tapetinho. Em um belíssimo texto intitulado “Isolamento Libertador”, Frans Moors – professor de Yoga que abdicou da vida corporativa para dedicar-se aos estudos acerca da filosofia – recorda que os Yoga Sutras de Patañjali, aos quais me referi agora há pouco, são os mais antigos textos que procuram introduzir esse conceito de Yoga.
São escrituras que dissertam acerca do funcionamento da mente e dos dilemas da psique humana, sinalizando direções para uma vida mais presente, elevada, livre de dores e ilusões materiais consumistas. E por que são fontes confiáveis?
Porque são milenares. São alguns dos textos mais antigos escritos pela humanidade, datados de cerca de 5.000 anos e originalmente colocadas em sânscrito – um idioma muito característico por sua construção sofisticada -, de modo que cada estrutura de uma palavra é embebida de significado, abrindo margem para uma interpretação profunda de seu real valor.
Igualmente porque os Vedas foram transmitidos de geração em geração. Primeiramente, por meio da tradição oral e, posteriormente, por meio de escrituras. Sua transmissão é pautada por um contato respeitoso e profundo entre professor e aluno. Esta é levada com extrema seriedade pelo povo indiano.
Em resumo, a cultura indiana preservou – e tem preservado – tais ensinamentos através do séculos a despeito de toda a exploração pela qual seu território já passou. Primeiro, pelas mãos dos muçulmanos e, posteriormente, nas mãos dos europeus, em tentativas sucessivamente frustradas de aniquilar essa cultura.
“Yoga é um presente da Índia para o mundo”, sintetiza a frase de um dos mestres de Yoga mais reconhecidos da história, T. K. V. Desikachar.
Viver Yoga é apropriar-se de seus ensinamentos na vida
Também quando participei de um Workshop sobre a Psicologia do Yoga, as maravilhosas professoras Maria Nazaré e Solange Wittmann explicaram que começamos a viver essa filosofia justamente quando nos apropriamos verdadeiramente dela. Ou seja: quando seus efeitos começam a refletir em nossas ações diárias, quando teoria e prática se alinham e realmente passamos a viver nossa verdade.
Yoga acontece quando a calmaria e a tranquilidade mental que adquirimos por meio da prática física passa a se refletir na forma como nos relacionamos com as pessoas, com o trabalho, com a alimentação, com a saúde, enfim, tudo ao nosso redor passa a se transformar também. É justamente nesse ponto que eu queria chegar.
A prática de Yoga entrou para valer na minha vida justamente no momento em que me senti mais perdida emocionalmente e a ansiedade tomou proporções gigantes. Foi quando pedi demissão do meu último trabalho como CLT e virei nômade digital, no ano de 2019. Afinal, toda minha forma de me perceber no mundo mudou.
Comecei a praticar no estúdio duas vezes por semana e, quando estava on the road, meu tapetinho ia comigo para qualquer lugar. Fosse para uma grande capital, como São Paulo, ou para uma praia remota, como Garopaba. Tem até provas lá no meu Instagram de que a Yoga se tornou minha companheira de viagens.
O que eu não imaginava era o quão profunda seria minha transformação quando acolhi essa filosofia realmente como algo diário, consistente. Não era capaz de dimensionar, quando iniciei, o quanto ela realmente também seria fundamental para que eu pudesse me tornar uma pessoa e profissional melhor.
Como a Yoga transformou minha escrita
Na condição de escritora isso quer dizer, em outras palavras, que eu não imaginava o quanto a Yoga impactaria na minha forma de escrever.
Porque ela me fez perceber que a nossa forma de usar as palavras também nasce muito do lugar interno em que a gente se encontra. E a prática me permitiu identificar que eu sou, na verdade, muito mais do que achava que era. Me empoderou, me fez ter mais confiança em mim mesma.
Eu sempre atrelei quem eu era à minha profissão, ou ao papel que desempenhava no contexto familiar, ao meu salário ou status de relacionamento, conforme já referi anteriormente. A Yoga me fez lembrar que existe uma parte de mim que vai além de todas essas coisas. Essa partezinha que é a minha essência.
Me fez relembrar que não preciso ser um estilo “x” ou “y” de escritora, que não preciso assemelhar minha escrita a de outra pessoa, nem tampouco reproduzir a técnica mais recente de SEO ou Storytelling. O problema não é que exista mecânica na escrita, ela é importante.
O problema é que esse apego à técnica, muito provavelmente, é o que pode bloquear você. Sentir que você precisa “alcançar um determinado objetivo” com sua escrita pode bagunçar sua cabeça toda. Por que não simplesmente deixar fluir?
Praticar Yoga formalmente e meditar faz a gente aceitar com mais leveza o fluxo da vida. Simultaneamente, a escrita também se torna fluida. Menos dolorosa e mais prazerosa.
Ser criativo não funciona quando tentamos nos forçar a sermos criativos, como você já deve ter reparado. Isso porque a verdadeira essência de criar é a leveza, a tentativa de olhar pro mundo ressignificando-o de alguma forma. Moldando-o ao nosso novo olhar e recriando aquilo que há de feio nele.
Esse processo jamais pode ser forçado. A criatividade não floresce à base da cobrança, por meio de uma atividade estritamente mental.
É preciso paciência e amor-próprio. Agora, isto eu posso afirmar: se eu encontrei por meio da Yoga e da meditação uma forma de aflorar minha escrita com mais leveza, menos cobrança e mais amorosidade, você também é capaz de fazer isso.
Pode soar como algo meio “coaching”, mas estou disposta a correr o risco: existe, aí dentro de você, a capacidade de escrever palavras lindíssimas.
E não importa tanto o objetivo final. Se você quer escrever de uma forma bonita para um cliente, ou seu próprio livro, para as suas redes sociais, ou até no seu diário, talvez quem sabe conseguir expressar melhor sentimentos a quem você ama usando as palavras.
Toda essa capacidade já está aí dentro. Você precisa, apenas, se permitir abrir um espacinho para ela.
*observação: este texto é uma adaptação reduzida do sexto capítulo do meu livro “O Nascer da Escrita: encontre sua voz (e a de seus clientes) por meio das palavras”.
Você pode ter acesso a ele gratuitamente ao se inscrever no meu Workshop “O Nascer da Escrita”, no qual também poderá aplicar técnicas mencionadas neste artigo na prática, com a minha mentoria.CLIQUE aquipara se inscrever.
“Ninguém iria notar se você simplesmente desaparecesse e nunca mais escrevesse nada.”
“Como você foi capaz de cometer um erro de português tão idiota naquele artigo?”
“Você está passando vergonha se acha que vai chegar a algum lugar com um blog estúpido.”
Essas eram as linhas da batalha interna, o discurso torturante de minha mente contra mim mesma no último fim de semana.
Decidi reler e revisar alguns dos artigos, poemas e textos que postei desde que criei coragem de expor minhas palavras na internet e nas redes sociais.
O resultado foi o recém mencionado monólogo silencioso e autodepreciativo comigo mesma.
Às vezes é assim: minha mente começa a falar coisas horrendas e simplesmente se recusa a parar. Algo em mim – talvez uma consciência mais elevada – buscava contra-argumentar.
“Mas houve tantos textos sem nenhum erro.”
“Tantas pessoas já comentaram que gostaram dolivro e foram tão carinhosas em comentários por aqui. Algumas até escreveram para dizer que você as inspira!”
“Você chegou até a dar entrevistas para podcasts este ano falando sobre o seu trabalho.”
Parecia não importar. Meu cérebro já havia decidido me machucar.
Não foi a primeira vez que aconteceu. Também duvido que será a última.
Porém, nos últimos tempos descobri algumas formas de encontrar respiro em meio a esse filme de terror que por vezes se instala internamente aqui.
O patriarcado tem culpa, sim.
Na verdade, diria que a grande transformação tem sido compreender melhor o porquê se desencadeia esse processo de descida ao inferno da impostora dentro de mim.
O patriarcado é a primeira razão. Isso não é “mimimi” ou vitimismo.
Acontece que todas as mensagens subliminares da sociedade gritam à mulher: “você só merece um lugar de destaque se for perfeita – física e intelectualmente. Nada menos que perfeita.” (Naomi Wolf explica bem a construção de tal mecanismo em “O Mito da Beleza”, recomendo a leitura).
Aí já está o primeiro entrave. Afinal, a perfeição é uma exigência muito elevada. Errar é premissa básica de ser humano.
Então, com suas narrativas, a sociedade ocidental forja dentro do inconsciente feminino esta mensagem: “não adianta nem tentar.Esconda-se. De preferência, no vazio invisível do trabalho doméstico.”
Essa lógica foi embutida a fórceps dentro de mim pela mídia, pela disparidade salarial, por todo o contexto que me cerca – e olha que, dentro de casa, tive uma criação muito livre, nunca fui encaixada em um estereótipo pelos meus pais, por exemplo.
Buda também estava certo: domine sua mente, ou ela o dominará
A segunda razão é que a mente tem mesmo essa tendência de não parar de falar quando se apega a determinado assunto. Aí só Yoga entra mesmo para me salvar.
Somente a respiração, o centramento, a meditação são capazes de me fazer perceber que quando algo dentro de mim está tagarelando maldades, muito provavelmente, é a minha mente. Esta, condicionada por conceitos e pressões sociais, que não é a minha verdadeira essência.
A prática diária me fez compreender, como diz minha professora Maria Nazaré Cavalcanti, que a mente é nada mais que uma bailarina tímida.
Quando elevamos a consciência pela prática, ela se aquieta. É aí que mora a liberdade. Só assim a batalha interior finda.
E por que decidi partilhar um artigo sobre isso?
Porque imagino que você – especialmente se for mulher nesta sociedade machista – já deixou de fazer algo que gosta, ou até de acreditar e bancar alguns de seus sonhos, por conta desse tipo de tortura mental programada como um software de computador.
Portanto, queria frisar aqui:
Você não está sozinha;
Você não precisa ser perfeita;
Não deixe de percorrer seu caminho e fazer o que ama por conta desse peso;
Cerque-se de pessoas que elevam sua autoestima – e não o contrário;
De minha parte, o que posso dizer é que também não vou ceder à mente. Vou continuar aqui.
Rabiscarei minhas palavras e as deixarei soltas ao vento, partilhando um pouco do que acredito com o mundo.
Mesmo sabendo que não serei perfeita. Nem tendo certezas absolutas sobre para onde o caminho me levará.
Sei que vou errar. Talvez seja criticada. Ou mesmo ignorada.
Ainda assim… Não. Vou. Parar. Porque hoje reconheço que meu processo nunca foi sobre a chegada. Ele tem sido sobre estar em movimento.
Não deixe esta sociedade doente, preconceituosa e julgadora destruir seu sonho. Qualquer que seja.
Parafraseando Emicida:
“Você é o(a) maior representante do seu sonho na face da Terra”.
Não esqueça disso quando estiver em uma das suas batalhas internas.
Sempre que a vida me parece pesada, procuro inspiração nas histórias de pessoas que passaram por grandes provações e encontraram forças para sobreviver nas circunstâncias mais absurdas. Anne Frank foi uma delas.
Desde que acompanhei recentemente um documentário na Netflix sobre seus diários (chamado “Vidas Paralelas”), me pego pensando no que essa menina viveu. Se o isolamento às vezes parece difícil, imagine vivê-lo realmente sem a mínima possibilidade de contemplar uma saída?
Passar anos reclusa em uma casa, o perigo sempre à espreita, é algo que mal cabe nas possibilidades do meu imaginário. Afinal, sou obcecada por liberdade. Se há algo que sempre me incomodou é a ideia de obediência, de não ter possibilidade de escolha.
Não lido bem com nada que me seja imposto. Quando ainda trabalhava no modelo CLT, antes do meu ano nômade, o simples fato de ter que ceder a um formato de vida pautado pelas horas do expediente me atormentava silenciosamente (ainda que gostasse da rotina).
Penso que não estamos neste mundo para viver confinados em escritóriosou entre quatro paredes. Às vezes, porém, por motivos de força maior não temos escolha.
A arte alimenta a vida quando não há saída
Acompanhando a história de Anne (nesta adaptação super legal em que a atriz Helen Mirren narra trechos de seu diário), me senti estranhamente acolhida. Assim como a menina judia, meu conforto durante o isolamento são as palavras. Escrevo, crio, reinvento a rotina, descubro novas formas de tornar a vida em casa prazerosa.
Entre meus devaneios de menina branca privilegiada, o que me consola em meio ao medo e o caos social – lembrando que já estamos chegando a quase 96 mil mortes confirmadas, imagine só a situação além dos registros oficiais! – é ouvir novos lançamentos de artistas, ler, observar a natureza, praticar Yoga, falar com amigos.
Aliás, na semana passada a participação do Emicida no Roda Viva foi excepcional. Quanta lucidez em um artista. Precisamos que vozes como a dele se multipliquem. Que a arte mostre seu valor supremo quando tudo em que acreditávamos até então – este capitalismo selvagem que nos levava do vazio ao nada -, está ruindo diante de nossos olhos.
Porque, pelo menos aqui, o isolamento escancarou que, quando nossa liberdade é subitamente retirada, as memórias que restam não são aquelas fúteis, associadas ao mero consumo de coisas. São as das pessoas, dos momentos partilhados, dos lugares visitados.
O mundo desaba, mas o valor do afeto é lembrado
Embora não costume me arrepender de nada que vivi, a situação do isolamento me trouxe uma compreensão mais lúcida de que aquilo que faz nossa existência valer a pena nada tem a ver com ambições. Sim, elas são importantes. Também nos movem. Mas as memórias que nos sustentam diante do mais terrível cenário não são essas.
Nos dias mais difíceis, são as palavras das minhas amigas e dos meus amigos que me ajudam e ecoam na mente. Também as lembranças das viagens, dos lugares maravilhosos que tive o privilégio de visitar, das pessoas que conheci. Contemplo fotografias, elaboro vivências, recordo trocas, conversas.
Nem por um segundo algo que comprei, ou uma ida ao shopping, me fortaleceu. Porque não é isso que deixa uma marca em nós. O que marca é o afeto.
É dele também que sinto mais falta. Dividir um pôr do sol, uma música, um café. Lamento pelos museus que não visitei, por não ter ido mais vezes ao cinema. Penso que deveria ter mergulhado mais vezes no mar, viajado mais, feito mais trilhas, aprendido a surfar, abraçado mais meus amigos.
Sei que, no futuro, provavelmente ainda poderei fazer tudo isso. Mas é a impossibilidade de fazer agora que escancara, mais uma vez: a vida é sempre hoje.
Nós jamais podemos desperdiçá-la ou tomá-la como certa. Quando nossa liberdade é tirada é das recordações de afeto que sentimos saudade.
O consolo é que ainda temos a arte e podemos amar. Para isso, nunca é tarde.
Eu não costumava perceber. Eles simplesmente me escapavam. Falo daqueles pequenos intervalos da vida. A transição entre a alegria e a dor. O preenchimento e o vazio. Som e silêncio. Inspiração e expiração.
É que tudo pode simplesmente se misturar tão rápido. Até que fica veloz demais e você simplesmente se perde. De si mesmo(a), dos encontros, das belezas.
Agora, isolada, percebo mais claramente.
Um pôr do sol que não foi contemplado jamais retorna. Tenho observado a forma como ele se vai, em um estalar de dedos, de um instante para outro. O espetáculo é sempre singular, não se repete de forma igual em nenhum dia – ainda que o de hoje se pareça com o de ontem.
Tudo é sempre mutação. É por isso que tenho procurado captar os instantes. Quando estamos entre quatro paredes eles se tornam mais visíveis e preciosos.
A pausa no trabalho para ouvir uma música. Aquele tempinho de passar o café. Ler as páginas de um livro. Deixar o corpo inteiro no sol.
Efêmeros, preciosos lapsos de vida que antes não existiam. Ah, como é bom identificar as pausas. Voltei a percebê-las.
O Yoga aprofundou ainda mais minha compreensão de que há possibilidades para não sufocar, justamente no silêncio mental que atravessa o ato de inspirar e expirar. Esse pequeno, mas infinito instante que revela a essência de tudo.
Ali há um lugar de paz incomparável, em que nada do que é externo importa mais. Não existe a culpa pelo que fizemos ou deixamos de fazer; nem medo, ansiedade e insegurança.
Até mesmo a raiva dos opressores, as aversões e discordâncias desaparecem. Todas as ilusões da mente dualista se dissipam. Resta serenidade e tranquilidade.
Abrir espaço para o “prana” (a energia vital) circular livremente é a chance de encontrar um caminho para cessar, ainda que por um breve instante, o peso de viver em uma sociedade brasileira ainda marcada por injustiças, abusos, dores, desigualdades e, atualmente, genocídio de minorias. Quando a realidade pesa, a mente pesa.
E o único caminho de sanidade é respirar. A pausa da respiração é o verdadeiro elo entre corpo-mente.
“O que quer que aconteça na mente influencia a respiração; a respiração se torna mais rápida quando estamos agitados e mais profunda e calma quando relaxamos”, escreve T. K. V Desikachar em “O Coração do Yoga”, leitura que recomendo fortemente para quem busca se aprofundar mais nessa filosofia, como tenho feito.
Em outros termos, a respiração revela nosso estado de espírito. E, quando paramos para voluntariamente administrá-la, aí então podemos redirecionar a própria atividade da nossa mente. Centrá-la para dentro, para o que é quieto, sereno, pacífico.
De fato, repare: qual é a diferença entre um organismo vivo e outro morto? O ar que entra e sai dos pulmões. E tenho dito que é tempo de respirar. Profunda e calmamente. Em casa, de forma segura, se for possível para você. Não é hora de apressar a vida para que ela volte a correr.
No Brasil, a pandemia não acabou.
E uma vida sem pausas para respirar, antes e agora, continua sendo apenas uma forma de vida “zumbi”. Procure os espaços de clareza, de sentir o ar entrar e sair dos pulmões. Todas as respostas aparecem ali.
Sigo encontrando as minhas e espero, de coração, que você encontre as suas também.